Josiane Cristina Amorim da Silva
Uma breve análise do livro “O sol de Margarida”, escrito por Xandra Lia, professora, escritora, historiadora e Doutora da Faculdade de Educação da UERJ. A referida obra foi publicada em 2022, apesar de todas as dificuldades que o mundo vem enfrentando desde 2019. Digo isso diante das incertezas decorrentes da pandemia e do iminente perigo de retrocessos no ano em que comemoramos o bicentenário da “independência” do Brasil.
Cabe ressaltar que esta análise alude ao pensamento de outra historiadora brilhante: Beatriz Nascimento. Parto de sua compreensão acerca do “território e do corpo”, buscando compreender como o território, o gênero e a educação são categorias que, de certo modo, estão intrinsecamente ligadas.
Por meio de uma escrita transgressora e subversiva, a estimada autora transborda sensibilidade. Xandra Lia, segue buscando retratar histórias tradicionalmente relegadas ao esquecimento, tanto pela literatura canônica quanto pela historiografia brasileira.
“O sol de Margarida” é um livro muito especial. Justamente pelo fato de este ser o primeiro livro totalmente ilustrado pela autora. Na capa, Xandra Lia nos apresenta a nossa protagonista. Uma jovem de olhar tristonho que traz na cabeça um adorno… Margaridas. Neste livro, a escritora pôde dar materialidade a sua imaginação. Acredito que a autora foi muito feliz nesse propósito.
Nesta obra, a autora discorre acerca da história de duas gerações de mulheres, Teolinda e Margarida, ambas moravam na Ilha da Casa de Pedra, Rio de Janeiro, nos anos 1950. A protagonista dessa história se chama Margarida… A menina nasceu às margens do mangue e assim viveu boa parte de sua vida. A procura de “um lugar ao sol.”
A narrativa tem como eixo central, as experiências de mulheres que há muito tempo sobreviveram em um território marcado pela pobreza extrema, criminalidade, violência e dificuldades de acesso a direitos essenciais, como alimentação, moradia e educação.
Observa-se que Margarida tem algo em comum com a flor que lhe gerou o nome: a resistência…
Aos 11 anos de idade, a menina foi entregue à própria sorte. Correndo todo tipo de risco, inclusive violência e crimes sexuais.
De fato, a autora nos ajuda a compreender como o desastre ambiental e as desigualdades sociais impactaram negativamente na realidade das mulheres daquela região. Teolinda, Margarida e as demais mulheres foram impelidas a realizar atividades socialmente desvalorizadas, como catadoras de caranguejo e catadoras de materiais recicláveis.
Embora estas sejam atividades de alto risco, pesquisas apontam que o trabalho infantil relacionado à coleta e à pesca é difícil de se combater. Justamente por se tratarem de atividades com forte vínculo familiar.
Todavia, o trabalho doméstico também serviu de estratégia frente às dificuldades daquele lugar. Assim, a experiência de Teolinda nos revela o quanto a dificuldade de acesso à educação, o trabalho infantil e a gravidez precoce contribuíram negativamente com as condições de vida de sua descendência. Cabe dizer que a nossa protagonista não foi a única a ter os seus sonhos interditados pelos problemas recorrentes, os quais foram minuciosamente desvelados pela autora.
As questões suscitadas nesta obra, sobretudo, corroboram com àquelas/es que atuam na educação. No sentido de auxiliar nos processo de elaboração de práticas e projetos que possam complementar as atividades que já estão sendo desenvolvidas nas redes de ensino, inclusive, na modalidade de ensino EJA, Educação de Jovens e Adultos.
Acredito que as/os educandas/os que tiverem o prazer de ler este livro, além da possibilidade de desenvolver uma visão mais consciente e crítica acerca do seu espaço social, terão melhores condições de compreender os processos que as/os fizeram evadir da escola e por isso, tiveram que retornar anos mais tarde, após a descoberta de que a educação é um direito fundamental e importante instrumento de transformação social e de sua própria realidade.
O referido livro é relevante para a educação, pelo grande potencial de auxiliar as/os pedagogas/os e demais profissionais que atuam no Ministério Público, instituição que tem por finalidade garantir a igualdade de condições de acesso e permanência na escola, a qualidade da educação, a valorização dos profissionais da educação e gestão democrática do ensino público nas instituições educacionais. Visando estreitar a distância e estender ainda mais as relações com as comunidades ao redor da escola.
Assim, percebemos que esta narrativa nos ajuda a pensar nas categorias: território, gênero e educação, como aspectos relevantes frente aos processos de criação de ações, práticas e/ou políticas educacionais que verdadeiramente possam contemplar as reivindicações da população oriunda de favelas e periferias, espaços naturalmente esquecidos pelo poder público.
No Brasil, comemora-se o Dia Internacional da Menina em 11 de outubro. Direito conquistado na Organização das Nações Unidas (ONU) com a finalidade de chamar a atenção da sociedade para os direitos das meninas de todo o mundo e promover iniciativas para dissipar a desigualdade de gênero.
Diante disso, podemos dizer que a presente narrativa nos ajuda a compreender a importância de olharmos atentamente para as especificidades e as necessidades das meninas oriundas de territórios fadados ao esquecimento. Tendo em vista que as “meninas” foram as mais atingidas pelas questões sociais devidamente retratadas nesta obra.
De certa maneira, a autora contribui com o movimento de autoras/es que reiteram que há uma grande necessidade de (re)escrita da história das mulheres que vem sendo histórica e socialmente oprimidas, exploradas, discriminadas, silenciadas e excluídas…
Afinal, Xandra lia segue semeando e educando por meio do diálogo, da escuta sensível, numa atitude transgressora de ocupar espaços, as redes. Enfim, fazendo da escrita meio/processo de transformação social. Buscando representar experiências tradicionalmente invisibilizadas.
Sobre a autora
Josiane Cristina Amorim da Silva, graduanda no curso de Pedagogia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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