O retorno à escola e os novos desafios da escolarização

Alfredo Johnson Rodríguez

Encerrado o primeiro trimestre de aulas das escolas de Educação Básica em nível nacional, após dois anos consecutivos de suspensão das atividade escolares presenciais, é pertinente inventariar a práxis educativa até aqui desenvolvida, apreendendo os principais traços e evidências que caracterizam o revigoramento da dinâmica das interações sociais entre estudantes, educadores/as e famílias, a fim de refletir criticamente sobre os rumos, perspectivas e reptos do processo de escolarização ora em curso.

O retorno geral à vida escolar presencial neste ano obedece a uma determinação governamental referenciada no balanço sanitário oficial de que, controlada a propagação pandêmica da Covid-19 e drasticamente reduzidos seus indicadores de óbitos e contaminação, principalmente em função da universalização da vacinação e de protocolos de biossegurança, as condições para a reativação da dinâmica social pré-pandêmica estariam dadas.

Ainda que permeada pela exaustão do confinamento social e das práticas educativas de natureza remota/virtual, além de uma certa expectativa de breve retomada do equilíbrio institucional, a volta massiva de estudantes e educadores/as, em todo o Brasil, às atividades escolares efetivas e concretas ocorre num clima de tensão, medo e incerteza.

Efetivamente, o cotidiano escolar mostra-se muito mais conturbado e perturbador do que os prognósticos difundidos pelos especialistas. Inicialmente, o imperativo da manutenção dos protocolos de biossegurança interfere nas interações educativas rotineiras, gerando desconforto e apreensão constantes na operacionalização satisfatória das aulas e demais atividades didáticas. Nesse sentido, o processo ensino/aprendizagem torna-se enfadonho e improfícuo.

Todavia, na percurso do trabalho escolar emergem novos empecilhos, à medida que os/as educadores/as constatam que os/as estudantes apresentam significativos déficits de habilidades/competências esperadas em seus respectivos graus de escolarização, que redundam em sérias lacunas e limitações cognitivas no processamento adequado de informações e conteúdos nos diversos componentes curriculares. Os resultados dos testes diagnósticos que eventualmente são aplicados revelarão, inequivocamente, o dramático descompasso das reais condições e patamares de aprendizagem dos educandos, face ao referencial curricular correspondente. Configura-se aqui, portanto, o primeiro desafio pedagógico: equacionar o hiato entre os níveis de escolarização observável e escolarização desejável.

A esse quadro crítico de defasagem escolar soma-se uma gama de atitudes e comportamentos instigantes de um volume crescente de estudantes que impactam negativamente o desenvolvimento educacional. Concretamente, referimo-nos aqui à observação e ao atendimento de crianças com reiteradas manifestações e queixas, tais como: dores de cabeça, de garganta, de estômago e musculares, tremores, sudorese, choro, coriza etc. A maioria dessas crianças solicita chamar os pais ou responsáveis para voltar à casa. Elas alegam se sentirem indispostas e inaptas para continuar assistindo as aulas e realizar as atividades. Ao lado dessas manifestações de teor patológico, os estudantes estão constantemente envolvidos em casos de atritos, brigas e agressões interpessoais; confronto com professores/as, saída intempestiva da sala de aula; infrequência; atrasos e desleixo com a realização dos tarefas didáticas e com o material escolar. O desafio neste campo é: superar os conflitos sócio-emocionais que afetam as interações das crianças na escola.

A esse respeito, resultados preliminares de pesquisa exploratória em curso, realizado por estudantes do quinto período do Curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras de Betim, com crianças e adolescentes do Ensino Fundamental da cidade, revelam que esses/essas estudantes, na sua maioria, lamentam imensamente a perda de familiares muito próximos, vítimas da covid-19; tiveram pouco ou nenhum aproveitamento educacional com as atividades de “ensino remoto”; sofreram muito com o confinamento e o distanciamento de amigos e familiares e testemunharam dolorosamente atritos, brigas e até atos de agressão e violência entre os progenitores e familiares mais próximos.

No que tange, mais especificamente, aos progenitores e/ou responsáveis pelas crianças, verificamos, nas interações comunicativas do dia-a-dia, que estes geralmente apresentam grandes e sérias limitações, insegurança e dificuldade para lidar com as novos, problemas e conflitos dos/das filhos/as, pós-pandemia, na expectativa de que a escola ajude a suprir essa demanda. Eis o terceiro desafio: prover suporte sócio-educativo às famílias.

Por fim, mas não menos relevante, os/as educadores/as, além de enfrentarem enormes dificuldades para reorientar e/ou reinventar seus itinerários pedagógicos, à luz desse novo e complexo contexto sociocultural, amargam a perda recente e sistemática de direitos, o aviltamento salarial e a desvalorização profissional. O desafio nestas condições seria, então: a construção e implementação de propostas capazes de redimensionar a política pública de educação, bem como empoderar os/as educadores/as, de modo a promover a reativação dos direitos conquistados e a redemocratização da escola, tendo em vista a consolidação da qualidade social da educação

Considerando que os desafios acima elencados condensam a superação do processo de desumanização das relações sociais, que se intensificou no biênio de vigência da pandemia, é imperioso que os educadores e educadoras fortaleçam suas redes sociais de interdependência, impulsionando suas lutas contra a opressão das elites, resistindo e operando transformações cumulativas a partir da práxis escolar.

 

Sobre o autor
Doutor em Ciências Humanas, Pedagogo da Rede Municipal de Betim/MG e Professor universitário.


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