Priscilla Nogueira Bahiense
Tema controverso e que tem ocupado desde mesas em eventos acadêmicos a discussões em grupos políticos diversos, o papel da mídia na atualidade tem recebido destaque, sobretudo após o golpe institucional de 2016. Muitas vezes as conversas envolvendo o papel da mídia na sociedade vêm carregadas da certeza de manipulação das informações pelos grandes grupos, independente do lugar de fala dos interlocutores. O que se percebe, com isso, é a crescente desvalorização dos impressos e noticiários televisivos face à crescente circulação de notícias via redes sociais.
No entanto, ainda que as críticas à grande mídia sejam recorrentes e estejam presentes em diversos grupos sociais, o que ainda temos é a centralização da informação por meio dos grandes conglomerados. Mas e a educação, o que tem a ver com isso?
Pensando nessa questão o Programa Pensar a Educação, Pensar o Brasil organizou seu Seminário Anual sobre o tema “Mídias, educação e espaço público”. Até então foram realizadas 3 conferências e um debate envolvendo as questões que relacionam estes três pontos e que mobilizaram um público diverso e atento às discussões, o que nos leva a crer que a discussão sobre o papel da mídia no espaço público, sobretudo no que se refere à educação, é extremamente necessária e merece atenção da academia.
Sobre isso alertava Nelson Pretto na primeira conferência do ano, realizada em março de 2018. Na ocasião, o professor da Universidade Federal da Bahia ressaltou a necessidade de se questionar o papel institucional da universidade, enfatizando o professor enquanto intelectual público que deve alinhar educação, comunicação e tecnologias. De acordo com Nelson Pretto, cabe à universidade a superação de desafios conceituais em relações a outros saberes, tendo assim a necessidade de superar os processos de cientificidade. Grande aliada deste processo seria a capacidade de compartilhamento do conhecimento, por exemplo.
Além disso, Pretto também destacou a atuação do mercado nas avaliações educacionais e nas mudanças sofridas pela legislação educacional, sobretudo no que diz respeito à reforma do ensino médio. Pensando nisso, não podemos deixar de problematizar as críticas feitas à educação por colunistas que mesmo não sendo especializados na área, têm cumprido de maneira bastante eficaz o papel de formadores de opinião patrocinados pela iniciativa privada. Diante disso, é necessário construir outras narrativas em busca de uma ocupação qualificada do espaço público, nas quais o professor assuma uma postura ativista na comunicação, atuando como produtor e propagador de conhecimento qualificado.
Também discutindo sobre a atuação do mercado na produção midiática, mas pelo viés da professora Sandra Tosta e da ativista Florence Poznanski, foi realizado um debate cujo objetivo era discutir sobre a forma como a educação é mobilizada nos diversos suportes midiáticos e como esta relação entre educação e mídia possibilita a atuação de educadores no espaço público. Sandra Tosta, que é professora do Centro Universitário UNA, destacou a importância da ditadura militar na ampliação e consolidação das mídias, o que coincidiu, não por acaso, com a ampliação e consolidação do mercado. Já na contemporaneidade, o que se faz necessário é uma crítica ao modelo midiático atual, com a cobrança da responsabilidade social que os meios de comunicação devem, ou deveriam, ter por serem entendidos como bens públicos, uma vez que tratam-se de concessões. No mesmo caminho, Florence Poznanski (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e Internet sem Fronteiras), apresentou um histórico da ampliação dos sistemas de comunicação no Brasil, que buscava conformar a comunicação no país atrelada à formação nacional.
Ponto comum no debate, as relações entre mídia e escola foram apresentadas pelas duas convidadas, que consideram que é necessário fazer com que a educação faça uso das diversas formas de mídia no processo educacional, tendo os professores como os principais aliados. Com isso, a formação de cidadãos críticos à forma como as informações são processadas e reproduzidas pelos grupos dominantes seria, de fato, possível.
Também de grande importância para a compreensão do papel das mídias no espaço público, as “Reflexões pós-panópticas sobre vigilância e consumo na sociedade da classificação”, trazidas por Andrea Versuti, contribuem para o debate na medida em que problematizam a presença massiva dos meios de comunicação em nossa vida e, de certa forma, nos aprisionam. Para Versuti, que leciona na universidade de Brasília (UNB), vivemos em um modelo pós-panóptico de mídia, que significa que, ao contrário do que propõe o modelo panóptico, não centraliza suas ações na vigilância dos sujeitos, mas acolhe e dá a sensação de liberdade. O que acaba por se tornar uma grande ironia, uma vez que nunca antes estivemos tão conectados aos centros de poder da informação, nos tornando seres altamente rastreáveis. No entanto, essa sensação de que somos nós que decidimos que rede social escolhemos, quem serão nossos “amigos”, o que queremos publicar, acaba por proporcionar uma experiência de falsa autonomia. Afinal, quem garante que realmente escolhemos alguma coisa?
Diante disso, Versuti considera que as mediações entre os sujeitos se dá pelas relações de consumo, que os diferenciam a partir da construção de identidades de pertencimento, o que, por sua vez, acabaria por tornar as relações cada vez mais perenes. À escola, em meio a esse turbilhão de informações e dispositivos, cabe compreender este movimento sem, no entanto, dispor do seu tempo de aprendizado e conhecimento. Além disso, a escola não pode e nem deve se abster da disputa de narrativas impostas pela atualidade. O que não significa que a escola deva lutar contra a presença na tecnologia, ao contrário, deve tentar aliá-la ao seu modo de comunicar com os alunos, promovendo outros tipos de engajamentos.
Para encerrar o semestre, mas não o debate, o tema Corrupção da opinião pública e a falta de uma comunicação como prática da liberdade, foi levantado pela pesquisadora do Grupo de Pesquisa Cerbras (Centro de Estudos Republicanos Brasileiros) Ana Paola Amorim. Para a pesquisadora, deve-se entender “educação e política como conceitos que se configuram mutuamente”. Embora todas as conferências anteriores tenham discutido sobre o papel político das mídias, a fala de Ana Paola intensifica a necessidade de reflexão acerca da forma como os meios de comunicação tratam os direitos civis, políticos e sociais, entendendo-os sob a ótica do privado. Diante disso, urge a realização de uma crítica objetiva em relação ao sistema de comunicação brasileiro.
Mudar a estrutura de mídias, neste sentido, seria necessário. Para tanto, cabe a proposição de um novo modelo que leve em consideração os processos de democratização dos meios de comunicação, trazendo a noção de prática de liberdade.
Com uma discussão densa e aprofundada sobre o histórico dos processos de comunicação midiática e seu papel político em nossa sociedade, o ponto fundamental da conferência está na necessidade de reconfiguração de uma mídia tida como essencialmente comercial, privatista e concentrada nas mãos de um pequeno grupo. Tal configuração impede que a liberdade de expressão de concretize, uma vez que os sujeitos não são por ela representados de fato. Essa noção de falsa representação acaba passando despercebido pela sensação de participação dos sujeitos nas diversas mídias, mas devemos estar atentos ao que temos chamado de representatividade nos meios de comunicação. Para Ana Paola, apenas uma regulamentação democrática da mídia pode proporcionar uma real discussão sobre a comunicação, proporcionando a conquista do direito à comunicação.
Ao fim e ao cabo, a sensação que fica é a de que é longo ainda o caminho para um uso crítico da mídia que permita uma maior ocupação do espaço público pela escola e seus atores. No entanto, o que não se pode perder de vista é a necessidade, apesar das dificuldades, da disputa de narrativas em torno da valorização da educação, ainda que espaços indiscutivelmente monopolizados pelo mercado. Que o segundo semestre e suas quatro conferências sobre a temática continuem nos auxiliando para a construção de frentes coletivas de ocupação das mídias.
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