O Desenvolvimento da Educação Para a Cidadania no Continente Europeu

Antônio Carlos Will Ludwig

O entendimento mais recorrente sobre cidadania diz respeito à uma relação legal entre o indivíduo e o Estado. Nela ambos têm que cumprir um conjunto de obrigações recíprocas. Embora a mesma tenha um caráter funcional, nem sempre se mostra livre de percalços, pois tanto um lado como outro podem deixar de realizar, de forma parcial ou total, determinadas obrigações. Esta concepção de cunho liberal é muito longeva e deve continuar perdurando no futuro embora acontecimentos mais recentes estejam provocando algumas alterações.

Na Europa a história tem revelado uma evolução peculiar. O início se encontra no Tratado de Roma de 1957 o qual pregava a união progressivamente estreitada entre os povos europeus bem como um processo decisório transparente, aberto e próximo dos cidadãos. O Tratado da União Europeia, preparador do Tratado de Maastricht em 1992 estabeleceu as bases de um sistema educacional comum. No ano de 2005 emergiu um documento intitulado Cidadãos Para a Europa voltado para o envolvimento dos cidadãos na construção de uma Europa mais unida e a promoção de uma compreensão mútua entre os cidadãos europeus.

Nesse movimento de construção da unidade europeia alguns acontecimentos se mostraram relevantes. Com efeito, na segunda metade do século vinte aumentou o número de países integrantes da comunidade emergente, muitos deputados foram eleitos para o parlamento comum nascente, vingou o Ato Único Europeu relativo a um programa de médio prazo destinado a eliminar obstáculos ao livre comércio. Nos primórdios do século atual, países da área oriental foram acolhidos, estabeleceu-se a proposta da União Bancária com vistas a tornar mais confiáveis as instituições financeiras e refugiados de guerra receberam guarida.

Como não poderia deixar de ser, a educação se revelou como um recurso essencial para o sustento da tão almejada coesão. Para tanto foram criados alguns institutos tais como o Processo de Bolonha em 1999 voltado para a pesquisa inovadora no ensino superior, a Estratégia de Lisboa em 2000 destinada à formação de capital humano e a Estratégia Europa em 2011 que estabeleceu diversos objetivos dentre os quais se destaca o de melhoria dos níveis de ensino acompanhado da redução da taxa de evasão escolar.

Um aspecto desta educação revelou-se bastante valorizado pelos dirigentes europeus, ou seja, o processo de formação para o exercício da cidadania em nível local, regional, nacional e internacional que acontece tanto na educação básica quanto na superior. Esta formação é muito importante para tais dirigentes porque eles têm como certo que a mesma contribui significativamente para a manutenção da estabilidade social em todos os países que integram a Comunidade Europeia, uma ocorrência fundamental para a sua preservação no decorrer do tempo.

Em 2005 foi publicado o primeiro relatório elaborado pela Rede Eurydice intitulado A Educação Para a Cidadania nas Escolas da Europa. Nele encontra-se escrito que a Comissão Europeia “identifica claramente o desenvolvimento da cidadania europeia como uma das principais prioridades da actuação da União Europeia”. Por meio do programa Cidadãos Para a Europa almeja-se estimular o envolvimento ativo dos europeus “no processo de integração europeia e desenvolver entre eles um sentimento de pertença e de identidade europeias”. Tem por meta este programa fazer com que os europeus internalizem os sentimentos de tolerância e solidariedade e se transformem em “cidadãos responsáveis e activos”.

O segundo relatório divulgado em 2012 traz a assertiva de que os cidadãos europeus precisam intervir “na vida política e social não só para assegurar o desenvolvimento dos valores democráticos fundamentais, mas também para fomentar a coesão social numa época de crescente diversidade social e cultural”. Traz também a afirmação de que este ato de ingerência depende da aquisição de determinados conhecimentos, competências e atitudes que são fomentados pelo processo educativo. Acrescenta ainda que a promoção “da cidadania ativa através da educação escolar constitui igualmente um dos principais objetivos do atual quadro estratégico para a cooperação europeia no domínio da educação e da formação, em vigor até 2020”.

O terceiro relatório publicado em 2017 reafirma que o objetivo da educação para a cidadania é de promover a “coexistência harmoniosa e o fomento do desenvolvimento mutuamente benéfico dos indivíduos e das comunidades em que se integram”. E uma das conclusões mais importantes que nele consta é a de que “Todos os países contam com programas curriculares ambiciosos que visam desenvolver certas competências que permitem interagir eficaz e construtivamente com os outros, atuar de maneira socialmente responsável, agir democraticamente e desenvolver um espírito crítico”.

Neste ano de 2022 foi publicado o quarto relatório e nele aparecem “três elementos que justificam a necessidade de uma educação para a cidadania mais sólida, abrangendo todos os níveis políticos à escala nacional, europeia e mundial”. O primeiro enfatiza a importância do ensino da cidadania para a imprescindível “participação democrática”. O segundo se refere à “exigência de uma educação para a cidadania mais sólida” visando combater “os radicalismos” decorrentes de “eventos e mudanças sociopolíticas”, os movimentos populistas que instrumentalizam o “euroceticismo” e o risco colocado pela “polarização social e pelas notícias falsas”. O terceiro aponta a necessidade de “reconhecer o caráter evolutivo da educação para a cidadania” principalmente a “transição digital que abre novas oportunidades de participação dos cidadãos em linha” e a “crise ambiental” que exige ações pertinentes e imediatas como “habitantes responsáveis pelo planeta no seu conjunto”.


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