Luiz Mário Dantas Burity¹
O centenário foi largamente comemorado na Paraíba. Estudantes desfilaram nas principais ruas da capital e das cidades do interior; políticos e intelectuais proferiram discursos emocionados; jornais dedicaram números inteiros à cobertura dos festejos e aos artigos de opinião que entoavam a importância da data.
Nessa ocasião, a revista “Era Nova” lançou um número especial comemorativo. No primeiro texto, José Américo de Almeida exaltou os homens que lutaram pela emancipação política na então capitania da Paraíba, principalmente na Revolta de 1817. Mas, tão logo se abriu a sessão seguinte, o que se via era uma fotografia do presidente Epitácio Pessoa, ao lado da Marianne, essa personagem símbolo da República.
Acontecia que, por vias do destino, as comemorações do centenário caíram no mandato desse que foi o primeiro político paraibano, e único até agora, a ocupar o posto mais alto do poder público no país. Mais que isso, no final do mandato, oportunidade para avaliar os feitos de sua gestão.
Os ganhos políticos já se faziam sentir na economia local. O seu governo fora promissor no envio de verbas para as obras contra as secas e assistência à população flagelada. Tratava-se de um investimento em infraestrutura cujas proporções nunca antes foram vistas na região – construção de açudes, estradas de ferro e de rodagem, melhoramento dos portos etc. Não era à toa, aliás, que o retrato do presidente aparecia junto ao trem e ao navio que representavam o progresso do país.
As comemorações, dessa maneira, se tornaram palco para a exaltação da figura e dos feitos do presidente. Associando-o aos “mártires” da Independência, os redatores e editores da revista atualizavam um conflito entre os interesses dos nortistas e das elites centrais que marcaram o processo de emancipação e resultaram na unidade nacional, mas também lembravam a força política da região, sobretudo quando unida em torno de um mesmo propósito, e reivindicavam a manutenção da agenda de investimentos.
Nessa mesma edição, o padre Pedro Anísio apontava o papel da escola no ensino do nacionalismo. A história como mestra da vida, à qual ele se referia, tinha o dever de desenvolver a noção de pátria. Era ela quem ensinava o valor da unidade política – sob a marca da ordem e do progresso – e promoveria a civilização. O calendário de desfiles, aliás, fazia parte dessa tomada de consciência nos escolares. Mas que futuro aguardava essa tão falada Nação?
1922 foi um ano tomado pelo desejo de mudança. Em fevereiro, um grupo de artistas alardeou as possibilidades das vanguardas e alçou os modernismos ao centro da discussão pública nacional com a Semana de Arte Moderna de São Paulo. Em julho, outro grupo, dessa vez de tenentes, enfrentaram o caráter oligárquico do regime vigente com armas em punho na chamada Revolta dos Dezoito do Forte de Copacabana. Apesar de fracassado, o movimento continuou a arregimentar seguidores nos anos seguintes.
Em meio a essa agenda de mudanças, intelectuais e políticos nordestinos se empenharam em mostrar a região como um espaço fértil para os novos investimentos. Ao término das comemorações, não por acaso, o presidente de estado Solon de Lucena convidou o escritor e jurista José Américo de Almeida para elaborar um relatório dos efeitos das obras contra as secas – e da administração de Epitácio Pessoa – na vida da população e na economia local.
O relatório resultou em um livro com mais de 700 páginas intitulado “A Paraíba e seus problemas”. Além da pesquisa in loco, de uma viagem de carro pelo interior do estado, o autor consultou uma vasta documentação em arquivos públicos e privados e apresentou uma interpretação: as secas eram antes resultado da ausência histórica de investimentos públicos na região que um fenômeno meramente climático. Além disso, a região dispunha de potencialidades para seu desenvolvimento, como os investimentos da gestão do presidente paraibano já se faziam notar.
Para construir um futuro moderno é preciso antes revisitar o passado. Foi essa a operação que os intelectuais e políticos paraibanos empreenderam na comemoração do centenário da Independência. O Nordeste mostrava-se aberto aos novos investimentos federais e aos futuros possíveis que ele abria para a sua gente. Seria esse o caminho para a nova República, na data adequada para repensar a unidade nacional. Era isso que os estudantes aprendiam nas paradas cívicas, com a repetição dos símbolos e o sentido da nacionalidade que eles construíam.
Comemorações são boas para pensar! Em um momento tão marcado pela emergência dos autoritarismos, em que os marcadores sociais de classe, gênero, raça, região etc. definem quem tem ou não direito a uma existência digna, talvez possamos rediscutir os sentidos dessa nacionalidade que fomenta a nossa unidade política.
No próximo número, seguimos as narrativas com o texto de Aline Limeira contribuindo com o Giro do Bicentenário pela Paraíba.
1 – Doutorando em História – UNIRIO. Membro do Núcleo de Documentação, História e Memória – NUMEM/UNIRIO e do Grupo de Estudos e Pesquisas Sociedade e Cultura no Nordeste Oitocentista – GPSCNO.
Imagem de destaque: Era Nova, 1922 – Edição Comemorativa.
Descrição da imagem: Presidente Epitácio Pessoa, ao lado da Marianne, símbolo da República.