Costumamos dizer que o Brasil não olha muito para seus vizinhos quando o assunto é ciência e tecnologia. Uruguai, Argentina, Colômbia, entre outros, não seriam adequadamente considerados em nossas investidas acadêmicas, tampouco se consultaria, com a frequência desejável, a produção científica dos países do Sul que majoritariamente falam espanhol. Dificuldades com a língua e com as distintas tradições são frequentemente apontadas como problemas, sem esquecer as pequenas rivalidades e mesquinharias nas disputas pela liderança do que um dia foi o Terceiro Mundo.
De fato, ainda se olha muito mais para o Norte do que para Leste, Oeste e Sul quando tratamos da pesquisa, algo que de alguma forma parece ter lá sua razão de ser, se considerarmos que as cartas sobre a mesa da experiência moderna são, sobretudo, europeias. Os Estados Unidos da América souberam capitalizar essa força com grande velocidade e eficiência, tornando-se o país líder desse processo, ainda que a China, nas contemporâneas ordenações do capitalismo global, esteja hoje em posição nada desprezível.
No entanto, trata-se de uma meia verdade dizer que não olhamos muito para os vizinhos. Cientistas argentinos são os principais parceiros de seus pares brasileiros, assim como o número de congressos e publicações que envolvem países do Mercosul aumenta continuamente. Já tivemos editais de fomento do CNPq que se direcionavam especificamente para o trabalho em rede com países sul-americanos, e sua própria suspensão nos últimos anos (o que não tem a ver com os recentes cortes orçamentários) talvez seja fruto de análise segundo a qual as relações já se encontram mais estáveis, dispensando incentivos deste tipo. Persistem vários programas bilaterais de intercâmbio envolvendo os órgãos de pesquisa nacionais. A CAPES, por exemplo, tem desenvolvido vários deles, inclusive na forma de bolsas de estudo para cursar a pós-graduação no Brasil. Em maior ou menor medida, CNPq e mesmo agências de fomento estaduais também compõem tal esforço.
Em outros países também se destacam alguns empreendimentos, como as da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação da Argentina, com seu programa de apoio à formação de redes de pesquisa no Mercosul, redes que se destinam, inclusive, ao enfrentamento de questões diretamente relacionadas à Universidade, como seus processos de democratização.
Sublinhe-se ainda, e não menos importante, as estruturas de cooperação que se materializam a partir da Associação de Universidades do Grupo Montevidéu (AUGM). Ela está composta por instituições públicas de nível superior de Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai e Bolívia, que desenvolvem eventos e ações de mobilidade de professores e estudantes de graduação, e recentemente também, ainda que de forma incipiente, de pós-graduandos.
Nesse extenso mosaico, cujos pontos apenas em pequeno número menciono, algo que chama muito a atenção é a exportação do modelo brasileiro de gestão da ciência e tecnologia. A plataforma Scielo, importante indexador e repositório, tem versões em países sul-americanos, assim como no Caribe, México, Portugal e Espanha. Além disso, o modelo de elaboração, atualização e avaliação que batizamos de Plataforma Lattes tem inspirado mecanismos correlatos em alguns de nossos vizinhos.
Considero todo esse esforço de integração desafiante e muito salutar, como aliás têm mostrado os resultados de diversos projetos. Se nossa tradição de pesquisa é diferente das de nossos vizinhos, então temos muito que aprender de lado a lado. Não há dúvidas que nosso sistema de pós-graduação é dos mais fortes e coordenados, se comparado com iniciativas que ainda são tímidas em outros países onde a pesquisa está mais desvinculada dele. Grandes pesquisadores da Colômbia, da Argentina e do Uruguai não estão submetidos às pressões que são próprias da pós-graduação, ainda que não se lhes tire a responsabilidade pela produção regular e de qualidade. Como nosso sistema é bastante vertical, a incorporação de estudantes de graduação na pesquisa é muito mais presente entre nós, em especial nas instituições públicas de nível superior. Estas, por sua vez, apresentam mecanismos de ingresso à graduação bastante mais elitistas que suas correspondentes hispânicas, malgrado as recentes e importantes políticas de ação afirmativa. O ingresso livre de estudantes à Universidade no Uruguai e na Argentina não é fantasioso, nem sua discussão e implementação soa absurda, como seria o caso entre nós, às voltas com o Vestibular e o Exame Nacional do Ensino Médio.
Penso que nossa relação acadêmica com os vizinhos deve se dar fora dos marcos do terceiro-mundismo, conceito que se tornou anacrônico junto com o fim da Guerra Fria, assim como distante de um pensamento latino-americano que fale por exclusão, ou seja, que suponha poder delimitar, com clareza, o que somos ou não somos. Ao contrário, parece-me que é preciso operar nos termos da compreensão da simultaneidade global, chave analítica proposta por Detlev Claussen. Os movimentos históricos se dão em mútua determinação não hierárquica, ainda que os jogos de poder tenham escalas e atores diferentes entre si. Não somos mais ou menos modernos, mas, de um ponto de vista que coloque sob tensão nossa posição periférica, podemos dizer algo sobre o tempo que nos coube viver.
Montevidéu, República Oriental do Uruguai, setembro de 2015.
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