A vida em isolamento social me reconectou com a literatura por prazer. Atropelada pela correria da vida num centro urbano, a leitura que ocupava meu tempo era aquela relacionada à minha atividade profissional como professora universitária: ler artigos para emitir parecer, ler relatórios, teses, dissertações. Mas fazia tempo que eu não encontrava um livro que me arrebatasse e me envolvesse de modo a não querer parar de ler até saber o desfecho da trama. Se você procurar uma leitura que te deixe sem fôlego, você precisa ler Nada digo de ti, que em ti não veja, romance histórico ambientado no século XVIII, obra mais recente de Eliana Alves Cruz. Antes deste, a autora já tinha escrito outros dois romances históricos muito interessantes: O crime do cais do Valongo e Água de barrela. Nas três obras de Eliana Alves Cruz pessoas negras são protagonistas, com desejos e sonhos.
digo de ti, que em ti não veja se passa no ano de 1732, no trânsito dos personagens entre Rio de Janeiro e Minas Gerais. Na minha leitura, a personagem mais fascinante era aquela que atendia pelo nome de Vitória: “Vitória era o seu quinto nome desde que viera ao mundo”. Nasceu Kiluanji Ngonga e “quando entendera sua verdadeira natureza, foi chamada de Nzinga Ngonga, depois virou sacerdotisa (…)”. Sequestrada e escravizada numa terra chamada Brasil, com muita luta, conquistou a liberdade e escolheu ser Vitória.
Liberta do cativeiro, Vitória era senhora dos próprios desejos, destemida, numa terra habitada por muito preconceito e violência. Além dos segredos de Vitória, a trama também gira em torno de cartas que ameaçam expor toda a hipocrisia de uma sociedade que se estruturava a partir opressão, da perseguição e da violência.
Tempos de intolerância.
Referências:
CRUZ, Eliana Alves. Nada digo de ti, que em ti não veja. Rio de Janeiro: Pallas, 2020.
_____. O crime do Cais do Valongo. Rio de Janeiro: Malê, 2018.
_____. Água de Barrela. Rio de Janeiro: Malê, 2019.
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