Mobilizar para o Saber
No Brasil as estações são pouco demarcadas, ainda assim, a natureza está a todo o tempo nos falando dos ciclos, da renovação e dos eternos e benditos recomeços. É o que contemplo agora no pátio da escola, onde quatro grandes árvores perdem a folhagem. Faço um paralelo com a vida dos estudantes, com seus ciclos chamados de séries, anos, etapas e a eterna promessa,feita no início do ano, de que “neste ano eu vou mudar”. E agora? Como estão esses, que estavam tão dispostos em fevereiro, quando a terceira e última etapa do ano letivo está prestes a se iniciar? Quem conseguiu se manter próximo aos seus propósitos iniciais? Quem se perdeu pelo caminho? Por que alguns conseguem e outros não? Perguntas difíceis!
Para quem não está alcançando um bom resultado, as respostas vêm de todos os lugares e são diversas: não estudei; tenho preguiça; estava muito puxado; brinquei demais; o professor não era bom; deixou as tarefas de casa sem fazer; a família não acompanhou; a escola que não é boa. Mesmo com tantas respostas, continuamos no mesmo lugar, pois elas não explicam a falta de interesse, a preguiça, a dispersão, o descompromisso e o baixo resultado. Nas mesmas condições, com os mesmos professores, na mesma escola, outros alcançam ótimo desempenho.
Diante dessa situação tão próxima e familiar de quem está dentro da escola básica, faço uma releitura de Bernard Charlot, sociólogo francês, que atualmente mora em Aracaju, no seu livro Relação com o Saber, tema que estuda desde a década de 80.
É preciso registrar que, desde que a primeira grande pesquisa foi realizada nos Estados Unidos, na década de 50, e que ficou conhecida como Relatório Coleman, ninguém mais contestou que as diferenças socioeconômicas interferem no sucesso escolar. Então, não percamos de vista, ao longo desta discussão, que há uma comprovada desigualdade social em relação à escola. Entretanto, as pesquisas avançaram e hoje se sabe que essa correlação não pode ser encarada como um determinismo. As crianças das camadas populares, mesmo com todos os obstáculos, podem se dar bem na escola, assim como crianças de nível socioeconômico alto podem fracassar. O que Charlot nos chama a refletir é que as crianças ou os jovens são sujeitos e não objetos sociais. Sujeitos, mais que um conjunto de posições. Resta saber o que o sujeito faz da posição em que nasceu, daquilo que a sociedade lhe fez. É o que o autor chama de posição social objetiva ou posição social subjetiva. Objetiva é aquilo que ela é de fato (profissão dos pais ou cor da pele) e a segunda é aquela que tem lugar em sua mente, em seu pensamento. Elas, as crianças, podem, apesar da discriminação edo preconceito, ter orgulho dos pais, do local onde moram e de sua cor, ou seja, elas interpretam sua posição social; e produzem sentido em relação a tudo isso.
Podemos continuar as perguntas: por que estudantes de uma mesma condição social obtêm resultados diferentes? Como seres inacabados, o desejo de aprender nos impulsiona para o saber. Esse direcionar-se para o saber pressupõe mobilização. Note-se que Charlot utiliza a expressão mobilização, pois está se referindo a uma dinâmica interna do próprio sujeito-aluno. É ele que faz o movimento e que dá o sentido para as suas ações. Rubem Alves expõe de outra forma. Dizia que “só aprende quem tem fome”.
Já a motivação tem relação com uma ação externa: o professor tem que motivar, a família tem que motivar, a escola tem que motivar. E o sujeito? Essa postura em relação ao aprender é muito comum e cômoda. Sempre buscamos os culpados fora de nós. Esta é uma boa pista para respondermos a nossas perguntas iniciais.
O que está sendo ensinado e como está sendo ensinado têm peso na mobilização do aluno. Do ponto de vista teórico, uma aula interessante é aquela em que ocorre o encontro do desejo e do saber, encontro, diga-se de passagem, nada fácil. Charlot diz que, quando perguntava aos seus entrevistados sobre as razões porque gostavam da aula, a resposta era: porque é interessante. Continuava: mas por que é interessante? Porque eu gosto. Não explicamos ainda. Então, vamos continuar a leitura.
Qual o sentido que o estudante dá para o ir para a escola, estudar, aprender e compreender? Essa também é uma questão importante nas pesquisas de Bernard Charlot, qual seja, identificar os processos pelos quais se constroem a relação com o saber e a escola e as lógicas que organizam esses processos. Estudar para passar ou estudar para aprender? Quantos de nossos alunos matriculados fisicamente estão, de fato, envolvidos com a lógica específica da escola?
Para Charlot, o que produz o sucesso ou o fracasso escolar é o fato de o aluno ter ou não uma atividade intelectual – uma atividade eficaz que lhe possibilite apropriar-se dos saberes e construir competências cognitivas. O jovem precisa se apropriar do saber; é preciso que estude, que se engaje em uma atividade intelectual e que se mobilize intelectualmente. Mas, para que ele se mobilize, é preciso que a situação de aprendizagem tenha sentido para ele. Em seus estudos, o sociólogo constata que a maioria dos estudantes – quase 80% deles – só vê sentido em ir à escola para conseguir um diploma, ter um bom emprego e ganhar dinheiro e levar uma vida tranquila. Nesse discurso não há a menção ao fato de aprender. “Esses jovens que ligam escola e profissão sem referência ao saber estabelecem uma relação mágica com ambos. Além disso, sua relação cotidiana com o estudo é particularmente frágil na medida em que aquilo que se tenta ensinar a eles não faz sentido em si mesmo, mas somente em um futuro distante”, define o pesquisador.
Não adianta amar a escola por causa dos amigos. Isso ajuda, mas para o sucesso ou fracasso escolar é preciso gostar da escola por conta de sua função específica que é estudar, aprender, saber. Mas todos querem saber, não? “Eu quero saber tudo que meu colega sabe; entretanto, quero me engajar e me envolver como ele? ” Querer saber é diferente de ter vontade de aprender, de se esforçar para se engajar em uma atividade intelectual. Desejo de saber. Desejo de aprender. Desejo de estudar. Isso é engajamento em uma atividade intelectual. Como se diz por aí: tudo tem um preço!
Torna-se imprescindível, nesse tempo de métricas rasteiras, reducionistas e distorcidas que retiram da educação o seu E maiúsculo, uma chamada de Bernard Charlot. Ele diz que aprender não é apenas adquirir saberes, no sentido escolar e intelectual do termo, dos enunciados. É também apropriar-se de práticas e de formas relacionais e confrontar-se com a questão do sentido da vida, do mundo, de si mesmo. A relação com o aprender é mais ampla do que a relação com o saber e toda relação com o aprender é também uma relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo.
Que a escola possa despertar nos estudantes o apetite pelo saber, conhecer, estudar, compreender. Que ensine a ver, que os encante e os seduza. Que o desejo e o engajamento intelectual floresçam!
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