Meio‌ ‌século‌ ‌cheio‌ ‌de‌ ‌memórias‌ ‌

Sílvia Maria Penno Coppini1

Sou Sílvia Maria Penno Coppini, tenho 50 anos e sou filha de Lybia Torres de Leão e Arthur Pequeno, já falecido. Nasci em 11 de março de 1971, no Hospital Conceição, no bairro Cristo Redentor em Porto Alegre/RS. Fui registrada em Viamão, pois morávamos na vila Elza, que era primeiro distrito de Viamão. Naquele tempo, a luz era de lampião; poucas casas tinham energia elétrica. No inverno minhas roupas secavam com o fogão à lenha. Não havia geladeira e nossa primeira televisão e rádio foram feitos por meu pai utilizando válvulas. O dinheiro da minha época era o Cruzeiro, nosso banheiro eram patentes que ficavam fora de casa. Minha mãe lavava as roupas à mão, no açude perto de casa.  

Meu pai era quem cuidava de mim até os meus 5 anos; brincávamos muito e na maioria das vezes de casinha com as louças de casa. Ele me ensinou a fazer conservas de pepino, cenouras, vagens, tudo o que tínhamos no quintal e que nós mesmos plantávamos. Lembro que conversávamos muito; íamos comprar peças para arrumar televisões, rádios, pois ele trabalhava também como radiotécnico, nomenclatura utilizada na época. Até os meus cinco anos foi muito divertido estar com meu pai perto de mim, brincando e me ensinando, mas aos meus seis anos, no dia do meu aniversário, foi a missa de sétimo dia de falecimento dele. Então, a partir do ano de 1977, tudo mudou por completo. 

Minha mãe trabalhava na Santa Casa de Misericórdia no centro de Porto Alegre. Ela revelava filmes de raios-X. Fui para um internato, Imaculado Coração de Maria. Nele ficava meio período e foi um tempo muito sofrido, onde os materiais por mim usados eram lápis de carpinteiro e caderno quadriculado. O ensino era muito tradicional e enérgico e quando minha mãe ia me buscar eu desmaiava algumas vezes. Ela me tirou desta instituição e levou para ficar com ela no hospital. Eu ficava junto com ela na câmara escura e revelava com ela os filmes, mas não podia ficar ali; assim minha mãe arrumou uma casa próxima à nossa para eu ficar. Nesta casa também ficava outra menina na mesma condição e a nossa tarefa era cuidar de um bebê para os donos do lugar. Mais tarde minha mãe decidiu me levar para ficar com suas irmãs: a cada dia eu ficava com uma tia diferente. 

Em 1978, entrei na Escola Estadual Professor Júlio Grau na primeira série. Ainda não sabia ler e contar, mas isto era comum à época. O nosso uniforme era uma saia plissada azul marinho com meias até os joelhos, conga e camiseta com emblema e nome da escola. Tínhamos que cantar o Hino à Bandeira e o Hino Nacional todos os dias antes de entrar em sala, em posição de sentido. Fiquei nesta escola até a quarta série. Conforme eu ia crescendo os apelidos cresciam comigo: Pantera cor de rosa, por causa de uma capa de chuva e botas rosa; Olívia Palito, por ser muito magra e comprida; Pernalonga. 

Eu continuava sendo cuidada por minhas tias, pois minha mãe trabalhava muito; eu ficava a semana toda com elas e ia só ao final de semana para casa. Fazia minhas tarefas escolares e ia à igreja que ficava em frente ao prédio onde as tias moravam. Eu amava Educação Física, Educação Moral e Cívica (EMC), Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Religião, mas gramática e verbos eram complicados para mim. Minhas provas eram feitas oralmente. Nelas eu me saía melhor do que na escrita.  

Em 1986 estava na sexta série e novamente fui reprovada. Então desisti dos estudos e fui trabalhar, em 1987, numa empresa de assessoria publicitária como office girl e morar com minha mãe que tinha conseguido um emprego de zeladora de um condomínio. Via muita coisa que passava na televisão como greves dos metalúrgicos reivindicando melhores salários e condições de trabalho. Via “rebeldes sem causa” sendo espancados por policiais; pessoas que sumiam e “apareciam” mortas; professores em greve e o Brasil buscando processos democráticos ao som de canções como “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré; inflação disparando e os preços aumentando diariamente. 

Me casei e tive meu primeiro filho.  Ele teve muita dificuldade em sua vida escolar, sendo até expulso de algumas escolas. Tinha desistido e foi então que consegui uma inscrição no Colégio Clotilde para ele e para mim no ensino supletivo. Em 2015 tive minha filha; após uns meses decidi recomeçar os estudos para ajudar meu filho a terminar os seus. Seguimos ali nós dois: ele um ano à minha frente, ele no sétimo e eu no sexto ano. 

Em 2017 fomos para a escola Arthur Sichmann, e, posteriormente, fomos aceitos no Instituto Federal Catarinense (campus Camboriú) para participar do Proeja Agroindústria, onde nos formamos juntos. Senti que meu desejo era continuar e meu filho teria que escolher seu caminho. Assim, dei um passo a mais: acessei uma vaga no Curso de Licenciatura em Pedagogia na mesma instituição, conhecendo excelentes e diferenciados mestres. Eles me inspiram. Não está sendo fácil fazer esta graduação por conta da situação atual de pandemia em que vivemos, mas estou cheia de sonhos e planos que, por meio da apropriação do conhecimento, quero colocar em prática. 

 

1Texto produzido inicialmente como atividade avaliativa da disciplina História da Educação, do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto Federal Catarinense – campus Camboriú, ministrada pela Profa. Dra. Marilândes Mól Ribeiro de Melo. 


Imagem de destaque: Prefeitura de Olinda

 

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