Livro O Orvil na formação do pensamento educacional e a guerra cultural no Brasil

Renata Andrade 

Raquel Melilo

Começaremos o texto apresentando uma obra oculta chamada O Orvil, que lido de trás pra frente significa O Livro. Uma obra revanchista e revisionista sobre o golpe de 64, bem como uma resposta à obra Brasil Nunca Mais que, nos anos 80, denunciava os crimes da ditadura militar brasileira, tendo como fonte os processos da Justiça Militar. A mentalidade, da atual gestão brasileira, é forjada nessas duas obras: revisionismo, ressentimento e retórica golpista da primeira e incômodo da repercussão da segunda.

Em Orvil são denunciadas as conspirações e crimes da esquerda brasileira e suas tentativas em transformar o Brasil em uma China, Rússia ou Cuba. Ficou pronto no governo de José Sarney que vetou sua publicação. Mas, nas últimas décadas, o livro tem circulado e nele identificamos o atual pensamento educacional brasileiro. Segundo a obra, “Na área educacional, porém, as dificuldades foram maiores. Submetidos, havia anos à intensa propaganda marxista, os estudantes radicais, já apoiados pelo nascente “clero progressista”, tornaram-se o único polo de oposição consistente, após a Revolução. Doutrinados pelo PCB, PC do B, PORT, AP e POLOP, já possuíam uma visão de esquerda e os mais politizados estavam a favor da luta armada. […] Com tal mentalidade radical, explica-se a dificuldade que a Revolução de Março encontrou para pacificar o meio educacional.” (O Orvil, p. 126). 

Percebemos os desejos de controle dos movimentos estudantis, dos professores e reitores das universidades, em especial, das públicas. Fica explícito o embasamento teórico e ideológico da atual gestão no livro. Nas questões educacionais, percebe-se um discurso contra a doutrinação ideológica das esquerdas nas universidades e escolas. Termos como trabalho de massas são usados para denunciar as infiltrações no sistema educacional. Na atualidade, diferentemente da ditadura militar, não é possível eliminar o inimigo fisicamente e, por isso, a guerra cultural se torna central. Ela assume a tarefa de destruir as instituições, controlar currículo e professores, no que seria mais uma tentativa de afastar as esquerdas do poder. 

Segundo O Orvil: […] Desordem que, através da infiltração, do proselitismo e da agitação esquerdista, se instalou na máquina administrativa, no campo, na área educacional e na área trabalhista. (O Orvil, p. 100). Nessa lógica de narrativa, ocorreram quatro tentativas de golpes comunistas no país: a primeira em 1922, com a criação do PCB; a segunda entre 1954 a 1964 com as Ligas Camponesas e discursos insuflados de Brizola e Luiz Carlos Prestes; a terceira entre 1964 a 1974 com a luta armada e, estamos na quarta tentativa, a pior de todas, onde temos a infiltração das instituições, em especial, na educação e na cultura, com o objetivo de doutrinar a sociedade e modelar uma mentalidade social rumo ao comunismo. 

No livro, por meio da Doutrina de Segurança Nacional, criou-se a lógica da eliminação do inimigo interno. Mas, como adaptar isso para a atualidade? Necessário vencer as eleições e expurgar os infiltrados do Estado brasileiro, dentre eles professores e intelectuais. “Na área educacional era onde as esquerdas haviam obtido seu maior êxito, valendo-se de estudantes e clérigos progressistas, procuravam levar sua doutrinação às massas populares.[…] a União Nacional dos Estudantes (UNE), por meio de seu Centro Popular de Cultura, bem como o próprio MEC e as Secretarias de Educação dos Estados […] se empenhara em realizar a aliança política de trabalhadores, estudantes e camponeses, como pressuposto da revolução”. (O Orvil, p. 105).

Criou-se assim, no campo da educação, um novo ambiente de legítima defesa e, assim, a eliminação dos inimigos internos da nação que, na lógica da narrativa, seguem orientações internacionais socialistas. Vamos visualizar isso na educação atualmente? A Capes teve corte de 6 mil bolsas de pós-graduação e qual é o objetivo? O fim do financiamento de grupos comunistas infiltrados nas pesquisas. O CNPq lançou um edital de iniciação científica e retirou do edital a área de humanidades. As Ciências Humanas são vistas como desnecessárias por qual motivo? Área predominantemente socialista e que alimenta a doutrinação ideológica nas instituições públicas e privadas. Os debates acerca da mudança de livros didáticos em que temas polêmicos serão retirados e, por fim, o suposto ENEM neutro, onde questões fundamentais da História do Brasil, tal como a ditadura militar e a escravidão, são suprimidos.  O pesquisador, João Cezar Castro Rocha, em seu livro Guerra cultural e retórica do ódio, afirma que o risco da guerra cultural entrar em colapso e fracassar é enorme, porém, diante dessa frustração, a violência que estava confinada nas redes sociais partirá para as ruas e para as salas de aulas. Infelizmente. 


Imagem de destaque: Autoral

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