Liberdades negociáveis 

Raquel Melilo
Renata Fernandes

Quando a liberdade se transforma em uma promessa de campanha política e justificativa para apoio a projetos neofascistas, é necessário corrigir a lente e refinar o olhar.

Os defensores da liberdade (palavra e discurso) adoram citar Estados ditatoriais. Exemplos são constantemente elencados. Cuba, Nicarágua, Venezuela, China… Na verdade, muitos gostam de soluções simples como vincular projetos socialistas à restrição de liberdades. Como se não houvesse dezenas de autocracias e ditaduras capitalistas. Não foi em Cuba que uma jovem foi presa apenas por postar um vídeo no Tik Tok. Isso aconteceu Arábia Saudita. (Monarquia absolutista e capitalista).

Parece, então, que a regra é: “defendo a liberdade que não aprisione minhas ideias e condutas, ainda que isso interfira na vida do outro”. Para muitos que se dizem defensores do liberalismo econômico, a liberdade precisa existir para que as condições de acumulação de capital também existam sem barreiras e limites. Ainda que haja aprisionamento da força de trabalho em condições subumanas e mal remuneradas.

Nesse sentido o liberalismo aparece então, não como uma doutrina econômica, mas como uma forma própria de governo. A governamentalidade liberal, para Foucault (2008), surge como uma arte de governar formada no século XVIII que tem em seu cerne uma relação de produção/destruição da liberdade. É necessário, de um lado, produzir a liberdade, mas este mesmo gesto implica que, de outro lado, se estabeleçam limites, controles, coerções, obrigações apoiadas em ameaças sutis. É preciso haver liberdade de comércio, mas esta liberdade só poderá funcionar efetivamente se o governo controlar toda uma série de coisas, organizando medidas e prevendo ações.

O liberalismo vai se apresentar, portanto, como gestor da liberdade. De acordo com Foucault (2008) o liberalismo formula  simplesmente o seguinte: vou produzir o necessário para tornar você livre. Vou fazer de tal modo que você tenha a liberdade de ser livre. Com isso, embora esse liberalismo não seja tanto o imperativo da liberdade, mas a gestão e organização das condições graças às quais podemos ser livres […]”. (FOUCAULT, 2008, p. 87).

O liberalismo não é, portanto, a doutrina que aceita a liberdade. O liberalismo é o que se propõe a fabricá-la a cada instante. A arte liberal de governar vai se ver obrigada a determinar exatamente em que medida e até que ponto o interesse individual não constituirá um perigo ao interesse de todos (ou do governo). Por isso, o liberalismo manipula fundamentalmente os interesses dos indivíduos. E como esses interesses são difusos, há sempre quem defenda intervenção militar para que o Brasil não se transforme em uma ditadura como a Venezuela.


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