Sobre violência e educação
Elaine Teixeira Pereira
Uma série de acontecimentos um tanto recentes me remeteram às fascinantes aulas do professor Alexandre Vaz, quando no curso de Pedagogia da UFSC, há cerca de uma década, discutia com um grupo de alunas Educação e Emancipação, de Theodor Adorno. A tese da barbárie como inerente à civilização e da importância de uma educação que, partindo desse princípio e justamente por isso, siga na contracorrente, parece continuar dizendo de nossa contemporaneidade.
Há algumas semanas passei por uma situação desestabilizadora, que o termo barbárie ajuda a qualificar. Estava a caminho do Centro Universitário onde trabalho, indo encontrar minha turma de História da Educação. Eram 18h, o ponto de ônibus estava cheio e o trânsito intenso, quando minha bolsa foi arrancada. Não foi de imediato que compreendi que meus pertences estavam sendo levados. Perdia, nesse momento, não “apenas” instrumentos de trabalho – livros, computador, agenda, anotações de aula, documentos da disciplina. Certamente perdia mais que isso!
Entre as várias sensações que passaram sucessivamente a me tomar, estava a de não acreditar que isso pudesse acontecer naquele lugar, naquele momento e a uma professora que estava a caminho do trabalho. O que seria feito com a agenda, que a mim faria tanta falta nas semanas seguintes? E o livro “500 anos de educação no Brasil”, repleto de anotações, voltaria a ser usado por alguém? Os diversos arquivos, dentre eles as centenas de imagens de documentos sobre a história da educação catarinense cuidadosa e trabalhosamente compiladas, teriam algum fim? Para além do materialmente perdido e que vai sendo recuperado, como o novo computador que acabou de chegar em minhas mãos e no qual escrevo esse texto, há o que não é/será, difícil inclusive de adjetivar.
Paralelamente, circulava na cena pública uma pauta de extrema relevância e que não é alheia ao até aqui posto: a redução da maioridade penal. Após não ser aprovada, a emenda constitucional acabou “passando”. Para além da discussão sobre a centralidade e os efeitos da redução da faixa etária daqueles que passarão a usufruir do enquadramento legal aos crimes cometidos, e da sua eficácia como possibilidade de resolução do problema da violência entre nossa juventude (uma das facetas das violências presentes na sociedade?), o acontecimento põe em cena outro aspecto de nossa cultura: o jeitinho brasileiro. Remetendo à dificuldade da separação entre público e privado, à forma truncada como lidamos com a “coisa pública”, desconsiderando a ética e o compromisso com um trabalho sério na relação com as questões que afligem nossa sociedade, parte dos políticos que nos representam lançaram mão do “jeitinho”: conversa aqui, resolve ali, encaixa lá. E aprovou. Tudo resolvido.
Cabe perguntar – sendo nossa proposição pensar o Brasil pelo viés da educação – o que os diversos acontecimentos relacionados às também variadas formas de violência pelas quais passam cotidianamente brasileiros e brasileiras tem a ver com a educação. Em que medida eles estão relacionados à democratização da educação básica e ao projeto de escola pública para todos? Quais nossas propostas culturais e educacionais na contracorrente da produção de novos candidatos (agora mais jovens e em maior número?) a inflar ainda mais o já problemático sistema carcerário brasileiro? O que nós, profissionais da educação, temos com isso?
Essas questões certamente dizem respeito a todos nós brasileiros, e parece-me que, em especial, aos que escolheram a educação e a cultura como eixos de seus caminhos profissionais e pessoais. Que possamos continuar buscando alternativas para a construção de uma educação e uma sociedade mais empenhadas em atuar contra a barbárie e a favor da emancipação humana.
Florianópolis, julho de 2015