Entre ideais, sonhos e memórias – Sonia Maria Gomes Lopes

Entre ideais, sonhos e memórias

Sonia Maria Gomes Lopes

Muitas foram as pessoas que contribuíram para a implantação da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro – FMTM, mas foi sem dúvida o Dr. Mozart Furtado Nunes quem merece todas as honras. Além de fundador, juntamente com os outros companheiros, foi seu primeiro diretor. Portanto, de acordo com relatório elaborado pelo próprio Dr. Mozart em 30/11/1960, todo esse processo aconteceu conforme passamos a relatar. Dr. Mozart Furtado Nunes vivia tranquila e serenamente entregue aos trabalhos médicos de sua seleta e rendosa clínica e aos cuidados de sua fazenda, atividade comum à classe abastada da década de 1950, quando foi convidado pelo deputado Mário Palmério para assumir o cargo de Diretor da Faculdade de Medicina a ser fundada na cidade de Uberaba. Lembrou ainda que o deputado, que era professor e proprietário de instituição escolar, o preveniu que sua “vidinha boa” seria arrasada, tendo em vista os melindres da classe médica e a dedicação total e exclusiva exigida para a atividade docente.

Dr. Mozart, se sentindo desafiado e se considerando jovem o suficiente para abraçar tal empreitada, prontamente aceitou o convite do deputado Mário Palmério. No dia 22 de abril de 1953 foram à vizinha cidade de Uberlândia onde JK se encontrava em visita, e voltou nomeado oficialmente Diretor da FMTM. Esse bravo e guerreiro homem tinha espírito pacificador, característica que foi fundamental para que conciliasse os interesses diversos envolvidos num trabalho desse vulto.

A primeira conquista do Dr. Mozart foi conseguir do Governador do Estado JK a doação do prédio da Penitenciária do Estado, edifício central, de construção elegante e com estrutura física que exigiria pequenas adequações para funcionamento de uma instituição de ensino. Acordou também a doação de apólices cuja renda seria revertida à manutenção da faculdade.

Resolvida essa questão, passou-se à parte mais difícil e burocrática, tarefa tremendamente árdua, do ponto de vista do Dr. Mozart. Fechou seu consultório e partiu para o Rio de Janeiro, capital da República. No Ministério da Educação e Cultura recebeu para estudo os Regimentos das Faculdades de Medicina de Juiz de Fora, de Pernambuco, de Salvador, de Santa Maria e da Católica de Belo Horizonte. Relata que escreveu 546 páginas de anotações nos dias que passou no gabinete do Diretor de Ensino Superior.

Ao regressar a Uberaba iniciou a construção do projeto de criação da FMTM, compondo volumoso processo para obtenção, junto ao Conselho Federal de Educação, da licença de funcionamento. E foram muitas as viagens ao Rio de Janeiro, a São Paulo e Belo Horizonte, oportunidades em que o Dr. Mozart conheceu renomados professores das faculdades de medicina dessas capitais, cujas contribuições com seus conhecimentos e experiências foram incalculáveis para a nascitura da FMTM.

Dr. Mozart Furtado levou em mãos para o Rio de Janeiro o grosso volume do processo instruído com a documentação necessária para o credenciamento da FMTM e o entregou na Seção de Protocolo do Ministério da Educação e Cultura no dia 27 de outubro de 1953. E já nos últimos dias de novembro recebeu o inspetor federal de ensino para verificar in locu as condições para funcionamento do curso de medicina informadas no referido processo. Tudo foi encontrado em ordem, pois a Faculdade de Odontologia do Triângulo Mineiro havia firmado convênio com a FMTM para funcionamento dos primeiros anos do curso, até que a reforma do prédio da Penitenciária fosse concluída. E, também, o Dr. Mozart firmou convênio com o Hospital das Crianças, condição essencial para realização da parte prática do curso, hoje internato.

Enquanto o processo para legalização da FMTM tramitava no Conselho Nacional de Educação, o Dr. Mozart iniciou uma verdadeira via crucis em busca de professores que pudessem minimamente compor o quadro docente para os primeiros anos do curso. Em Belo Horizonte foi em busca do professor de Histologia, que resultou com a vinda do renomado professor Edmundo Chapadeiro para Uberaba. Em Uberaba “tirou” do consultório pediátrico o Doutor Olavo Soares de Andrade que assumiu a cadeira de Anatomia. Laboratório esse onde os cadáveres são silenciosos contrastando com o redemoinho de disputas e multiplicidade de ideias do ambiente acadêmico. De Goiânia trouxe seu irmão Dr. Allyrio Furtado Nunes que permaneceu até sua aposentadoria como catedrático da Bioquímica. Dizia que com ele compartilhou todas as angústias e incompreensões. Sonhou os mesmos sonhos, com o fanatismo de acreditar que a agreste e longínqua Uberaba fosse capaz de realizar uma faculdade de medicina para em poucos anos competir com as velhas e melhores escolas do país. O Doutor Mauritano Rodrigues Ferreira completou o quadro das cadeiras básicas de docentes em tempo integral. E assim, tantos outros médicos da cidade e de outros estados assumiram junto com o Doutor Mozart a ideia de criar o período integral para os docentes dos primeiros anos do curso. Assevera-se que esse foi o diferencial que projetou rapidamente a formação dos médicos da FMTM no País e até no exterior. Pois atraiu até as atenções da Fundação Rockefeller, realizadora de grandes investimentos na estruturação dos laboratórios das cadeiras básicas.

No período em que esteve à frente da Diretoria da FMTM, o Doutor Mozart Furtado Nunes não poupou esforços para estruturá-la com as condições físicas e os recursos humanos necessários ao seu bom funcionamento. De acordo com seus depoimentos, tudo fez procurando de todas as maneiras trazer prestígio à faculdade, onde quer que estivesse. Sabe que foi rotulado de ditador, já que muitas decisões urgiam que às vezes impossibilitavam diálogo. Mas afirmou que nunca usou a FMTM como instrumento político, recorrendo, sempre que possível, aos Conselhos ou Congregação da FMTM e a colegas para a resolução em conjunto dos problemas mais graves. Lutou pela federalização da instituição junto ao já Presidente JK. Esteve à frente e junto com os docentes, discentes e comunidade uberabense em vários momentos com autoridades políticas quando o assunto principal era a federalização da FMTM. No entanto, após desencontros de informações e para não prejudicar o processo de federalização da FMTM o Doutor Mozart entregou sua renúncia do cargo de Diretor em 17 de novembro de 1960.

Para a história da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro e de Uberaba, suas últimas palavras como Diretor da instituição foram: “Aproveito esta última oportunidade em que me é dado dirigir-me aos caros amigos professores, para agradecer-lhes por todas as demonstrações que tantas vezes me deram de consideração e apoio. Ainda em nome da Faculdade, afirmo-lhes que se conseguimos chegar ao ponto em que estamos, transformando a Escola em esplêndida vitória, esta se deve ao seu esforço e a sua dedicação, que escreveram uma página luminosa na história de Uberaba. A todos, os meus agradecimentos e as minhas escusas pelas muitas faltas que involuntariamente cometi”.

 

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