As memórias de Neiva Marilla Leite de Oliveira de Leite de Oliveira Laterza, uma educadora além de seu tempo – Betânia Ribeiro, Ana Ferreira e Armindo Neto

As memórias de Neiva Marilla Leite de Oliveira de Leite de Oliveira Laterza, uma educadora além de seu tempo

Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro

Ana Emília Cordeiro Souto Ferreira

Armindo Quillici Neto

Neiva Marilla Leite de Oliveira Laterza nasceu no município de Ituiutaba em 10 de Abril de 1934, filha de Epaminondas Leite de Oliveira e Maria Divina Pereira. Ainda muito jovem, dirigiu-se para São Paulo em conjunto com as amigas para o aprimoramento de seus estudos no tradicional colégio Santa Marcelina. Esse deslocamento era realizado por intermédio de um ônibus da empresa Michelin que era fretado para levar as estudantes ao Colégio Santa Marcelina. Com grande esforço dos pais (pai exímio alfaiate e mãe costureira), tornou-se normalista em 1951 no colégio Santa Marcelina, considerado uma das mais importantes instituições do país para a formação de professoras. Com educação aprimorada, falava francês e latim, bem como desenvolveu habilidade musical com o piano.

O magistério é de uma certa forma de herança familiar. Neiva herdou este dom de seu bisavô Rodolpho Leite de Oliveira que atuou como professor, coletor do Estado de Minas Gerais nas décadas de vinte e trinta, bem como entusiasta da abolição da escravatura no final do século XIX. Ressalta-se também por intermédio de arquivo histórico particular, cartas doadas pela cunhada Alciene Ribeiro Leite, desde o final da década de quarenta e cinquenta, a amizade profunda entre os irmãos, Rodolfo Leite, Guilherme Leite e Francisco José, sendo que todos contribuíram com apoio moral neste momento de desafios e de formação profissional distante da cidade natal. Ao retornar à cidade natal, casou-se com o jovem empresário Germano Laterza dinâmico e empreendedor. Destinaram suas vidas ao bem comum de Ituiutaba com importante realização de serviços sociais. Tiveram três filhos e cinco netos.

Rememorar a trajetória de Neiva Marilla Leite de Oliveira Laterza traz uma perspectiva para o futuro da educação, pois foi uma professora determinada e uma gestora que transcendeu sua contemporaneidade.

Nos anos 70, em pleno Regime Militar, ao dialogar com as mães que necessitavam de ensino pré-escolar para seus filhos, visto que era prevista em legislação a obrigatoriedade de ensino para crianças de 7 a 14 anos, sendo que menores de sete anos teriam a possibilidade de ingresso no primeiro grau a dispor das normas de cada sistema. Portanto, não existia em Ituiutaba ensino pré-escolar público organizado. Nesse sentido, a diretora Neiva promoveu uma ação educacional e implantou duas salas do pré-escolar para atender a demanda social da população de diferentes classes sociais em vista do alto custo da educação particular naquele período. Posteriormente, houve inclusive necessidade de explicação para a Delegacia de Ensino de Uberlândia que a priori julgou como desobediência a atitude da diretora, mas com posterior concordância e apoio pedagógico à Escola Estadual João Pinheiro.

Além disso, em dissertação defendida no programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia pela pesquisadora Ana Emília Cordeiro Souto Ferreira vislumbramos a seguinte passagem: “Nessa perspectiva da Escola Estadual João Pinheiro, percebe-se que era frequente a matricula naquela instituição de crianças portadoras de necessidades especiais; constava que eram oito as frequências destes naquele período. Eram crianças com dificuldades de se locomoverem, com pouca visão, com dificuldade de aprendizagem e outras”. É interessante observar que havia a preocupação da diretora Neiva para possibilitar oportunidades de aprendizado dessas crianças.

Nas bodas de Diamante da Escola Estadual João Pinheiro, a diretora Neiva Laterza, em nome de toda comunidade escolar, na presença do Ilustre Secretário de Estado da Educação, Sr. Otavio Elíseo Alves de Brito, afirmou: “a escola em seus 75 anos de educação pública se encontra em pleno vigor, apta a caminhar com vossa excelência na marcha da educação para a mudança”. Nesse sentido, reivindicou: “a extensão de séries para se completar o ciclo de primeiro grau e a ampliação de salas adequadamente mobiliadas para que possa prestar mais e maiores benefícios à coletividade na democratização do ensino e cultura na difusão do saber”. A sua reivindicação foi atendida pelo então secretário de educação Otávio Elíseo e a Escola Estadual João Pinheiro conquistou a extensão de série.

As repercussões da ditadura militar não foram enfrentadas por Neiva somente no âmbito da Escola Estadual João Pinheiro. Sofreu no seio familiar a perseguição e a tortura psicológica do regime militar, sendo que seu esposo Germano, vereador mais votado na época, e seu irmão Rodolfo, vice-prefeito, foram cassados de seus cargos conquistados democraticamente. Neiva também presenciou as amargas marcas do autoritarismo em amigos políticos, ao mesmo tempo em que se dedicava à criação de seus filhos e ao aprimoramento do trabalho como diretora.

Após o significativo trabalho à frente da Escola Estadual João Pinheiro, transformando-a em uma escola de excelência, Neiva se dedicou voluntariamente como ministra da eucaristia e ao ensino da catequese no Santuário Nossa Senhora da Abadia. Com sua generosidade e devoção a Deus, contribuiu também com o crescimento espiritual da comunidade e reforçou o trabalho coletivo já desenvolvido pelo Santuário Nossa Senhora da Abadia.

Além das batalhas e dificuldades já citadas, Neiva com a fé inabalável enfrentou a partida precoce do esposo, bem como um câncer de mama no final dos anos 90, conseguindo vencê-lo. Nos últimos três anos, a mulher dinâmica e guerreira, enfrentou o seu maior desafio, quando passou a ficar acamada e indiretamente preparou progressivamente os familiares para sua partida em 16/02/2014.

Essa homenagem foi escrita próxima a data de seu aniversário no dia 10 de abril, quando ela completaria 81 anos, com o intuito de mostrar o significado de sua existência: uma mulher guerreira, que enfrentou desafios colossais em seu tempo, na condição de mulher, com fé, esperança, humildade e com uma visão educacional e social muito além de seu tempo histórico. Sua história é uma inspiração para a construção de um país melhor, justo, democrático e com novas perspectivas para a educação.

Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro é professora do curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP/UFU) e do Programa Pós-Gaduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Ana Emília Cordeiro Souto Ferreira é doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Analista educacional da Superintendência Regional de Ensino/Secretaria de Estado de Educação em Ituiutaba, MG. Professora da Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Lazer de Ituiutaba.

Armindo Quillici Neto é professor do curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP/UFU) e do Programa Pós-Gaduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

 

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