“É preciso substituir um pensamento
que isola e separa por um
pensamento que distingue e une.”
Edgar Morin
Queria, mas não deu certo. Diante do pré-adolescente que me pergunta:
-Vó Torta, o que é um humano e um desumano?
Acelerada pelas dúvidas e pelo compromisso para com elas, pedi um tempo. Procurei pelo obra O paradigma perdido: a natureza humana (MORIN,1073), não para despejar possibilidades sobre aquela cabeça pensante, mas para encharcar-me de dúvidas e outras chances. Meu neto de coração não esperou, enveredou pelos anseios que vinha armazenando:
_ Vó, se é humano é gente, né?
_ Hum…digamos que…é! por enquanto, é!
_ Se é gente, pertence ao reino dos animais racionais, né?
_ Né! Ou… Fulano, esse assunto é tão complexo que a sua avó precisa de um tempo para…
_ Não, vó! Ouve, tempo não temos mais.
_ Como assim? Claro que temos. Muito tempo! Ainda mais agora!
_ Nadinnha de pitibiriba. Não temos.
_ Você está muito apocalíptico, o que andou lendo?
_ Eu estou assistindo TV, todos os horários de jornais, todos os dias.
_ Ah! Isso não é bom.
_ Não? Mas é informação, vó. Você mesma me incenti…
_ Sim, sim. Mas não se esqueça do que eu disse antes.
_ Sei. Eu lembro, vó: prestar a atenção ao que não está sendo dito, atenção no como é dito o que se diz, atenção para quem se diz o dito, e o que o dito diz de quem disse…eu lembro, vó.
_ E…
_ É por isso que estou falando que não temos mais tempo.
_ Estou surpresa e confusa.
_ Vamos começar pela sua confusão. Pensa: essa doença que chegou é muito rápida.
_ Certo.
_ Certo nada! Está errado, vó. O que está certo é que o tempo foi deixado de fora.
_ De fora do que, Fulano? A sua avó está lenta!
_ Da equação, vó. Da equação.
Meu neto de coração retirou o precioso livro de Morin de minha mãos.
_ Está vendo? A equação está na gente. A gente está indo embora sem ganhar tempo para ter tempo. Alguém está sendo mais rápido do que o vírus.
_ Como assim?
_ Vó… quando uma pessoa morre pelo vírus, o tempo morre com ela. Entende?
_ Ah! Você leu os livros que lhe guardo para adiante…
_ Não, vó. Eu estou aprendendo a ver o jogo. Papelões, fanfarrões, maus exemplos de liderança, jogos de…jogos de…
_ Jogos de linguagem.
_ Isso! Não dá mais tempo para ensinar as pessoas a entenderem isso…a sentirem.
_ Com certeza, dá sim!
_ Deixe-me abrir outro livro deste mesmo autor: A cabeça bem-feita (MORIN, 2003). Abre na página… página 11. Abre!
_ Devagar, vó!
_ Abre logo e leia bem alto…
Sentado ao meu lado, o meu neto leu e acentuou a frase que ele mesmo escolheu: “[…]a educação pode ajudar a nos tornarmos melhores, se não mais felizes, e nos ensinar a assumir a parte prosaica e viver a parte poética de nossas vidas.
_ Vó… um humano faria isso, não faria?
_ Faria!
_ Então, agora eu entendi a diferença.
_ Vó? E quanto ao tempo?
Sorri! Eu acabava de ganhar uma segunda chance.
_ O tempo, meu querido… é uma questão de escolha! E essa escolha, temos o presente para fazer.
_ Fazer o presente?
Referências
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Trad. Eloá Jacobina. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2003.
MORIN, Edgar. O paradigma perdido: a natureza humana. 4ª ed. Sintra/Portugal: Editora Publicações Europa-América, 1973.
Imagem de destaque: Priscila Paula