Um dos maiores desafios de diretores de escola iniciantes advém do modo como estes educadores passam a relacionar-se com os demais adultos educadores que trabalham na instituição educativa. Seja concursado, nomeado ou eleito, o diretor tem entre suas funções chefiar um grupo de pessoas que devem ensinar e/ou acompanhar os processos escolares, visando garantir o êxito dos processos de ensino e aprendizagem e da apropriação ativa da cultura por parte dos educandos.
Como em qualquer instituição, lidar com grupos de pessoas e seus infinitos interesses não é uma tarefa fácil. No caso da escola, concepções pedagógicas e ideológicas distintas, prevalência de interesses privados, pressão por resultados, conflitos de geração, gênero, raça ou classe, tudo isso está presente. O modo como a instituição é capaz de equacioná-los em função de seus objetivos educativos define não apenas o êxito ou fracasso dos processos pedagógicos escolares, mas também a reputação do diretor e de outros profissionais.
Com efeito, compreender a complexidade das relações humanas que perpassam a gestão escolar supõe considerar dois fatores essenciais: a natureza do trabalho escolar e o princípio da gestão democrática do ensino público.
A natureza do trabalho educativo remete à educação como formação de personalidades humano-históricas (Paro, 1984), ou seja, à formação de sujeitos capazes de participar da vida social com autonomia e liberdade, contribuindo também com os esforços pela transformação das situações violentas que atentam contra a dignidade humana. Sendo assim, a gestão escolar não se pauta por um objetivo abstrato, econômico ou de outra natureza, mas profundamente humanista: a própria inserção de seres humanos na cultura. Isso se complexifica quando pensamos que a escola pública atende fundamentalmente os filhos e filhas da classe que vive do trabalho (Antunes, 2009), com seus dilemas e contradições.
Um segundo ponto importante é a necessidade de que cada gestor leve em consideração um dos princípios estruturantes da administração escolar: a gestão democrática do ensino público, conforme definido no artigo 206 da Constituição Federal, ratificado no artigo 14 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96). O texto legal compreende esta gestão democrática como participação dos professores na definição do projeto pedagógico da escola e da comunidade escolar em conselhos participativos.
Ora, trata-se de um princípio que, ao estruturar a educação pública, torna a administração da escola essencialmente diferente da gestão empresarial. Isso porque o objetivo da empresa capitalista – o lucro para seus donos/acionistas – prescinde do caráter de sujeitos de seus empregados. Em que pese as mudanças nos processos de governança contemporâneos, a empresa capitalista considera as pessoas como recursos humanos mobilizados/manipulados em função do lucro. Daí a coerência em chamar isso de gestão de pessoas, uma vez que se trata de recursos quantificáveis.
Ora, o princípio da gestão democrática, ao incluir nos processos administrativos os professores e a comunidade escolar, traz à tona a dimensão democrática dos processos de apropriação da cultura, a saber, o fato de que todos aqueles que deles participam são sujeitos, seres humanos históricos dotados de liberdade e possibilidade de resistência. O processo educativo só acontece de fato se contar com a vontade e liberdade das partes. Assim é no ensino em sala de aula ou em qualquer outro processo educativo.
Por esses fatores, a natureza do trabalho pedagógico e o princípio da gestão democrática, ambos pautados na afirmação de seres humanos como sujeitos, não é apropriado falar em gestão de pessoas na escola pública, mas sim gestão com pessoas: um processo administrativo que considera cada um/uma como sujeito, visando sua formação humano-histórica como participantes ativos e conscientes da sociedade.
A escola não pode ser confundida com uma empresa porque, entre outras coisas, as pessoas que dela fazem parte não são recursos abstratos a serem mobilizados visando fins privados, mas sujeitos históricos em processo de autonomização, cujo fim, por ser a própria humanização, é coletivo, essencial para a vida em sociedade.
Daí o desafio dos diretores novatos com as relações humanas no interior da escola. Impõe-se o cotidiano escolar como relação, embate, contradição e conflito entre sujeitos. Se isto nos provoca como educadores e nos faz avançar em nossa compreensão humana sobre o mundo e a educação, o discurso dominante do mercado impõe uma lógica privada muitas vezes reivindicada por educadores no interior da escola, na forma de busca dos próprios interesses em detrimento do interesse real de quem atendemos e de quem somos: a classe que vive do trabalho (Antunes, 2009).
Nós, diretores de escola, ao ingressar nesta função, temos preparo suficiente para lidar com a complexidade que exige uma gestão com pessoas? De fato, esse preparo vem da vivência e da prática. Mas nossa tarefa seria mais fácil se Estado e sociedade considerassem o caráter público da educação, sua função de formar sujeitos, como primordial, dotando as escolas de autonomia e os sujeitos de condições materiais e simbólicas de realizar os processos educativos.
Para saber mais
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível aqui.
CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas. O novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
PARO, V. H. Administração escolar. Introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2018 (1ª edição: 1986).
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