Maria Marlete de Souza
A Campanha da Fraternidade (CF) de 2022 tem como tema “Fraternidade e Educação”, e esta não é a primeira vez que a Igreja Católica chama para reflexão sobre como pensar os caminhos da educação. A pergunta é: de qual educação a Igreja Católica está falando? De acordo com a instituição, “Trata-se, em 2022, da terceira vez que a igreja no Brasil vai aprofundar o tema da educação em uma Campanha da Fraternidade. Desta vez, a reflexão será impulsionada pelo Pacto Educativo Global, convocado pelo Papa Francisco.” A CF é um evento organizado pela Igreja Católica, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), desde 1964, e define, anualmente, um tema que irá chamar a atenção dos católicos com o objetivo de “despertar a solidariedade dos fiéis em relação a um problema concreto que envolve a sociedade brasileira, buscando caminhos de solução à luz do Evangelho”.
Religião e educação sempre tiveram uma relação muito estreita no Brasil. A curiosidade se instala em conhecer quais são os objetivos da igreja em trabalhar fraternidade e educação no Brasil nos dias atuais e qual engajamento e contribuição ela está disposta a compartilhar, enquanto instituição que ainda promove a educação privada no país. De acordo com a CF, uma das etapas do texto-base é “Escutar” no sentido de ver, ouvir e sentir a realidade provocada pelas ações, tendências e tensões sociais. O fato é que a CF tem início em março, quarta-feira de cinzas e se finda no Domingo de Ramos, em abril, com a Paixão de Cristo. Mesmo que a CNBB ressalte que a CF não se restringe ao período quaresmal, dando a entender que a discussão se estende ao longo do ano, é preciso se conscientizar de que a educação básica e superior são tão importantes quanto à educação que compreende as questões religiosas e exige uma atenção especial com discussão permanente sobre a desigualdade educacional no Brasil, como os resultados que apontaremos a seguir.
Quando voltamos nosso olhar para a educação no país, nos deparamos com inúmeros problemas que enfrentamos desde a colonização do Brasil até os dias de hoje com o enfrentamento diário de anos após anos na luta por uma educação de qualidade para aqueles que têm o direito a ela, mas não o acesso garantido pelo poder público. Os desafios estruturais do país desenham um quadro no qual grande parte da população, principalmente a mais carente, desiste dos estudos para trabalhar dentro ou fora de casa para sustentar a si e aos membros da família, o que resulta no quadro de analfabetismo que ainda chama atenção de todos, principalmente nas regiões mais pobres do país. Levando em consideração apenas o Estado de Minas Gerais, de acordo com pesquisa realizada por Analise da Silva em 2020, o total de não alfabetizados gira em torno de 1.247.010. Com relação ao total de pessoas sem instrução e fundamental incompleto em todo o estado, temos 7.287.140 sujeitos de direito sem o acesso pleno à educação. No Brasil, a taxa de analfabetismo em 2019 estava em 6,6%, o que representa 11 milhões de analfabetos, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.
É importante considerar que a maioria desses sujeitos é formada por jovens e adultos com 15 anos ou mais, com uma concentração de adultos e idosos, sendo maioria negros. Diante da robustez desses números, não se pode tecer uma discussão superficial sobre a educação no Brasil, como declara a CF em não debater a educação escolar, dita “formal”. Dentre os principais objetivos apontados pela igreja, encontramos a maioria deles vinculando fé e educação ligadas à vida humana, ao evangelho, ao serviço pastoral, etc., mas há, dentre eles, três ideias que nos remetem aos problemas reais da educação básica e superior no país, tais como “Analisar o contexto da educação na cultura atual e seus desafios potencializados pela pandemia”; “Verificar o impacto das políticas públicas na educação”; “Promover uma educação comprometida com novas formas de economia, de política e de progresso verdadeiramente a serviço da vida humana, em especial, dos mais pobres”. Uma vez que os preceitos defendidos pela igreja católica como o “progresso a serviço da vida humana” em especial a favor dos mais pobres, estão também, de alguma forma, presentes na Lei 9.394/96 – Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB), que define que a educação “…tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, enfatizando a igualdade de condições e garantia do direito à educação, justifica, por parte dos diversos segmentos, incluído a Igreja Católica, um engajamento real, conjunto e concreto na luta pela educação, levando em consideração a desigualdade social que provoca outras desigualdades, incluindo o acesso pleno à educação por sujeitos negros e de baixa renda.
Sobre a autora
Mestre em Educação (PROMESTRE/FaE/UFMG), Especialista em Gestão das Instituições Federais de Educação Superior (FaE/UFMG).
Para saber mais
Campanha da Fraternidade 2022. Acesse aqui.
DA SILVA, A. J. Base de Dados: municípios MG. Acesse aqui.
BRASIL, LEI Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Acesse aqui.
AGENCIA BRASIL. Analfabetismo cai, mas Brasil ainda tem 11 milhões sem ler e escrever. Acesse aqui.
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