Prezado Álvaro,

Assim como eu, no dia 15 de março de 2019, você participou da chamada “Aula Inaugural”, da EJA, oferecida pela Secretaria Municipal de Educação aos educadores e educadoras que atuam em de Belo Horizonte. Como foi impactante o referido evento, gostaria de dialogar com você sobre o mesmo – já que a você foi negado o direito à palavra. Vamos lá?

Como ouvinte da referida “aula”, com um misto de indignação e incredulidade, voltei para casa “engolindo seco”, como dizia minha sábia e quase analfabeta mãezinha. Foram inúmeros sentimentos ruins que aquele “troço” me causou. Primeiramente, não foi, nem de longe, uma aula, né mesmo? Muito além do formato – também ruim – o conteúdo do evento causou em mim uma grande tristeza.  O que querem fazer de nós, educadores e educadoras? Perguntinha simples que, quando contextualizada, nos faz refletir sobre o analfabetismo político e funcional que sempre pairou e ainda paira sobre nossas cabeças. Parece-me que, nos dias atuais,esse analfabetismo se intensificou. Está meio globalizado!

A palestrante parecia desconhecer totalmente o público para quem falava – certamente, um público distinto daquele com quem ela estabelece familiaridade. Dizia de gráficos e de números e de pessoas e de mundos completamente fora da realidade de nossos educandos. Não duvido que ela tenha utilizado o mesmo power-point produzido para as reuniões com grupos de empreendedores e, assim, visivelmente desnorteada, em meio a uma plateia questionadora, parecia desconhecera realidade dos espaços onde os educadores da EJA vivem, trabalham, estudam e constituem famílias.

A moça desfiou um rosário de exemplos de homens e mulheres que alcançaram sucesso na vida e, em decorrência de alguns fatores, conseguiram atingir uma vida longeva. Dentre outros famosos, ela trouxe os nomes de Jane Fonda e Abílio Dinis para ilustrar a sua“aula”. Quero acreditar que qualquer distorção com a nossa realidade (de professores e professoras com dois ou três turnos ininterruptos de trabalho) e com a realidade de nossos educandos não é mera coincidência, mas puro desconhecimento. Certamente, se ela conhecesse um pouco da realidade de jovens, mulheres, homens e idosos de nossas escolas os exemplos de homens e mulheres bem sucedidos, seriam outros.

Penso que a palestrante não sabia e talvez não saiba jamais que em muitos momentos, somos nós, professores que, coletivamente, nos organizamos para doar alimento ou dinheiro para aquisição de cesta básica (de alimento) porque alguns dos educandos e suas famílias nos falam de fome. Ela também ignora que, não raras vezes, nos ajeitamos para que nossas educandas possam tergás de cozinha para tratar de seus dois, três, quatro filhos ou mais. Somos nós que arrumamos, em muitos casos, o dinheiro da passagem de ônibus para esses estudantes conseguirem deslocar para o trabalho no dia seguinte. Nem de longe essa moça imagina que alguns dos “nossos meninos” estão com vergonha de irem para a escola por trazerem em seus corpos, tornozeleiras eletrônicas. Ela deve desconhecer que, por vezes, as mães – muitas ainda adolescentes – após um dia inteiro de trabalho pesado, precisam levar seus bebês e filhos pequenos para a escola e enquanto assistem às aulas,essas mulheres acalentam as crianças em seus peitos, até quedurmam. Ela também desconhece que, distante da longevidade das figuras ilustres da sua apresentação, muitos jovens que frequentam a EJA, especialmente, no noturno, estão perdendo suas vidas por “n” questões e, por vezes, quando os professores descobrem o motivo, já não conseguem mais ajudá-los.

Terminantemente, na “aula inaugural” não cabia ouvir a plateia, pois a palestrante estava aflita para acabar com “aquilo” logo e nós, como meros “estudantes” na referida aula, não tínhamos nada para dizer sobre o assunto. Aliás, munida de microfone e assessorada pela gerente da EJA, ela não titubeou em cercear a fala de alguns professores. Notei que você, Álvaro, tentou falar, algumas vezes, mas foi impedido. Contudo, bem pior do que negar a fala a um professor, foram os aplausos de nossos colegas nesse momento de cerceamento da liberdade de expressão – sendo a palavra uma das ferramentas essenciais de nossa profissão!

Estarrecedor também foiodesempenho de Salomão – ninguém anunciou que teríamos uma encenação teatral, uma espécie deperformance. Esse senhor foi apresentado como alguém de 94 anos, parceiro da palestrante. Trêmulo pela idade e acometido por doenças (disse ter câncer de pele), assentou-se, cambaleante e numa voz tão trêmula quanto o próprio corpo exprimiu a dor de ter vivido de maneira errada e por ter conduzido a própria vida de modo pouco reflexivo. Falou de si, homem endinheirado, abandonado pela família, doente e só. Ele chorou e contribuiu com sua encenação para que parte da “plateia” chorasse também.

Logo de início, percebi que alguns educadores “sacaram” qual era a de Salomão e por não entenderem o motivo daquela trágica encenação, dentro daquele contexto, começaram a abandonar o auditório. Alguns outros educadores choraram e sentiram pena de Salomão. Uma amiga, após o ato, com os olhos avermelhados, disse-me: “chorei horrores”.

Após as lamúrias de Salomão, ele, em um passe de mágica, saltou de sua cadeira, começou a tirar a máscara, a roupa… “Uma coisa de louco”, como anunciou outro colega. Não era um velho doente, mas sim alguém que “teria ainda chance de se redimir de todos os males!”.Ao se desmascarar, veio à tona a farsa. Algumas pessoas aplaudiram e muitasoutras saíram indignadas daquela “Aula Inaugural”.

Fico me perguntando, meu caro Álvaro: para quê isso? Será que, neste contexto de reformas previdenciárias essa “aula” é uma preparaçãopara entendermos que é possível trabalhar atéatingirmos oitenta anos, como desejao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia? Ou neste mesmo contexto é apenas para nos sensibilizar, nos impactar? Será necessário mesmo?Diante de tanta tragédia em nosso país… acho que não precisava. Coisa esquisita!

Essa “aula”nos fez refletir sobre o quanto é necessário um pouco mais de respeito com nossa categoria! Aliás, em tempos sombrios, nossa profissão anda mesmo é na lata de lixo!

Joaquim Ramos

 


Imagem de destaque: John-Mark Smith/Unsplash https://zp-pdl.com/emergency-payday-loans.php https://zp-pdl.com/get-a-next-business-day-payday-loan.php http://www.otc-certified-store.com/supplements-and-vitamins-medicine-europe.html

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