Quando olhamos para as Diretrizes que versam sobre a Educação Profissional no Ensino Médio algumas reflexões são oportunas para que um viés estritamente mercadológico e/ou alienante não predomine nas concepções e práticas realizadas em fase tão decisiva na vida dos jovens, pois antecede uma possível entrada no mercado de trabalho.
Apesar da educação profissional e tecnológica estar prevista na graduação e pós-graduação, penso que a educação profissional técnica de nível médio merece uma atenção especial.
O artigo 4º indica que a educação profissional irá articular-se com as dimensões do trabalho, da tecnologia, da ciência e da cultura.
Apropriar-se das dimensões do trabalho, em um viés reflexivo, significa associá-lo a alguma função social, às práticas sociais. O mesmo pode ser dito sobre a tecnologia que, por si só, pode trazer atrasos ou danos irreversíveis à superação das contradições da sociedade. Em um olhar sobre o que se entende por ciência, há de se pensar na existência de ideais positivistas ou aqueles que têm por base uma visão sociológica (que, por estatísticas, pode organizar as informações e refletir sobre a humanidade). A cultura, por sua vez, poderá ser observada passivamente ou, de maneira ativa e dinâmica, rumo à superação dos problemas advindos de ideologias e práticas corriqueiras no sistema de organização social no qual estamos inseridos.
Será que as formações profissionais no ensino médio estão sendo realizadas de maneira reflexiva? Espera-se que sim. Caso contrário, estaremos falando de mais um mecanismo de alienação ideológica presente em nossa sociedade – para entender essa problemática, é válido ler Saviani e sua descrição de escola como aparelho ideológico.
No artigo 5º encontramos uma citação sobre a aquisição de saberes baseados em fundamentos tecnológicos e sócio-históricos. Portanto, a resolução prevê a grandeza que um debate permeado por conhecimentos sócio-históricos pode proporcionar. Possivelmente, muitas formações se furtam de aprofundar-se nesse debate, mas ele ali está inserido. Talvez, se esse assunto for aprofundado, as instituições como um todo teriam que mudar sua estrutura. Logo, é cômodo que as discussões sobre fundamentos socio-históricos permaneçam no nível das ideias, utopicamente controladas para que os possíveis frutos de sua reflexão não atrapalhem o status quo institucional e social.
Importantes associações podem ser vistas em alguns princípios norteadores que, por exemplo, indicam a indissociabilidade entre educação e prática social (espera-se que estejam afastadas de práticas assistencialistas); indissociabilidade entre teoria e prática (espera-se que a teoria baseie-se, de fato, em vieses críticos e a prática a acompanhe); articulação com o desenvolvimento socioeconômico-ambiental dos territórios onde os cursos ocorrem, urbanos ou rurais (espera-se que as regiões sejam vistas a partir das preciosidades culturais e não sejam destruídas pelo “progresso” miticamente inexorável que, se imaginado no meio rural, pode, na maior parte das vezes, ser incompatível com a preservação da cultura e dos recursos naturais); autonomia da instituição educacional na concepção, elaboração, execução, avaliação e revisão do seu projeto político-pedagógico (este projeto, mesmo sendo construído como instrumento de trabalho da comunidade escolar, está condicionado ao senso comum “viciado” pelas ideologias pertencentes à contemporaneidade). Essas associações nos fazem refletir sobre a modernidade que se busca e o retrocesso viabilizado pela continuidade das incoerências atuais.
No artigo 13, a formação de um profissional cidadão está ancorada em conhecimentos e habilidades nas áreas de linguagens e códigos, ciências humanas, matemática e ciências da natureza. Conteúdos escolhidos propositalmente e cuidadosamente para a formação de um trabalhador que se encaixe no perfil exigido, de acordo com as necessidades econômicas locais. É primordial pensar se essas habilidades, de fato, contribuirão para desenvolver um profissional ou um cidadão? Será que o profissional poderá refletir acerca da prática ou executar uma função técnica? Quais recursos reflexivos e de intervenção na realidade estarão dispostos? Seria uma reprodução de tudo que já está aí ou uma ressignificação da realidade a partir de melhoras progressivas dentro daquilo que já existe em nossa sociedade?
A recomendação de que os conteúdos estejam articulados com um trabalho baseado em princípios educativos é válida, desde que se entenda o que é um trabalho ancorado em princípios educativos. Em nosso sistema, e com os atalhos sociais e políticos, seria possível ancorar o trabalho em princípios educativos? Ou melhor, seria possível melhorar a organização social para que ela comporte um trabalho com essas bases?
A autonomia intelectual como um domínio necessário ao estudante é, do ponto de vista social, uma habilidade desprovida de limitações temporais e possuidora de um espírito crítico que não se pode abrir mão. Em um viés alienante, seria dominar determinada habilidade para que se construa a ilusão de que decisões e planejamentos sejam formados por um indivíduo autônomo quando, na verdade, são elementos exigidos pelo sistema. Imaginando as situações práticas de trabalho, haveria recursos intelectuais para refletir sobre a prática ou somente para reproduzi-la?
A organização curricular flexível terá de ser contextualizada entre teoria e prática, no entanto, como dito anteriormente, de qual teoria estamos falando e quais práticas irão alimentar as futuras teorias?
Por fim, a respeito da avaliação dos estudantes, a resolução profere que sua progressão se dará rumo ao alcance de determinado perfil profissional de conclusão. O último questionamento que sobra é: estariam aprovados grupos e mais grupos de alunos que busquem agir de maneira alternativa ao status quo, contrariando toda a lógica do mercado em direção a um trabalho mais “humano” e relações sociais mais dignas? Se a resposta for sim, parabéns à Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Se a resposta for não, pra que mesmo ela existe?
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