Filosofia da Tolerância

Eugênio Magno

“Sou homem,
e tudo aquilo que é humano me diz respeito”
Públio Terêncio

Pelo simples fato de ser eu uma criatura humana, devo preocupar-me com o destino da humanidade.

É na busca dessa coerência didático-pedagógica que Bernhard Häring e Valentino Salvoldi nos conduzem pelas páginas do livro, Tolerância: Por uma ética de solidariedade e de paz”.

O ser homem, de Terêncio, para os autores, no contexto em que se insere, significa tornar-se ser humano através de um processo que obriga as pessoas a renovar e dilatar cotidianamente os próprios horizontes. Se as exigências para que se passe da tolerância à solidariedade são grandes, muitos outros desafios devem ser enfrentados para se cruzar a fronteira da solidariedade em direção à fraternidade universal. Esses são os ideais a serem perseguidos por aqueles que pretendem adotar a filosofia da tolerância em suas vidas.

Os autores definem o ser humano como aquele que tem vontade de amar e de ser amado e se realiza através da racionalidade e do relacionamento. Na condição de religiosos cristãos causaria certa estranheza se não trouxessem o transcendente para a obra. Pois bem, eles percebem no humano aquele que se faz mediante a capacidade de criar, faculdade que o liga a Deus, a si próprio e aos outros, ao que ele cria e à história. Para essa definição eles identificam lá em Descartes, no pensamento moderno, a ideia da pessoa reduzida ao Eu, como consciência, enquanto relação do ser consigo mesmo. E, na sequência trazem Kant que, embora aceite o conceito de Descartes, levanta o problema da relação com os outros, como sendo aquilo que caracteriza a pessoa. Mas entendem que é na fenomenologia onde o conceito de pessoa, em relação com o outro e com o exterior vai encontrar maior respaldo.

Nesse ponto, citam o filósofo Heidegger e a sua consagrada análise existencial sobre o conceito de pessoa humana, sobre o “estar aí”, em relação com o mundo. E seguem essa pessoa heideggeriana, saindo da perspectiva fundada no Eu para encontrar em Mounier, Maritain, os pensadores da Escola de Frankfurt, e também Buber, Lévinas e outros da contemporaneidade que, apoiados nessas correntes filosóficas, na ética e na moral, levantaram o problema da relação inter-humana, da sua justificação, do fundamento do respeito ao outro como pessoa e, consequentemente, da tolerância. E seguem argumentando sobre a importância da tolerância para a existência da pessoa humana como um valor em si mesmo, mas também e, principalmente, como relação inter-humana, relação de doação e procura do divino no viver cotidiano, no bem comum e no bem viver.

O chamado é para nos rumarmos a uma autêntica comunidade mundial que salvaguarde a justiça social planetária. E aí entra a questão da dignidade de cada um quanto aos direitos fundamentais de todos, e na qual toda nação compreenda que não é possível pensar exclusivamente no próprio bem, desinteressando-se do bem de todas as demais nações. Solidariedade requer o fundamento da ética. Devo agir como se sempre estivesse na presença de Deus e, ao mesmo tempo, sentir-me responsável pela minha ação até o fim, como se Deus não existisse. Essa atitude, dizem os autores, pode ajudar-me a tornar-me consciente dos meus deveres para com as pessoas com quem encontro como se fosse eu a derradeira esperança do pobre que bate à minha porta.

Häring e Salvoldi concluem a obra afirmando que “a fadiga de ser tolerante é um aspecto particular da dificuldade que cada pessoa experimenta ao fazer o bem”. Falam da beleza de conhecer e agir moralmente, tendo sempre presente, porém, que a existência é eminentemente conflituosa. Portanto a consciência, enquanto se abandona ao louvor e à gratidão, também experimenta o pranto pela desumanidade e pela crueldade de tantas opções humanas. Mas aqui, quero destacar outro trecho da conclusão que diz mais ou menos o seguinte: O caminho ético da tolerância à solidariedade – para se viver uma verdadeira filosofia da tolerância – implica uma passagem da categoria do dever à do prazer. O dever do bem e o prazer do bem. Existe na tolerância um aspecto lúdico e alegre, pois o ser humano sente que o bem traz alegria. O ato de acolher o outro se torna fonte de um prazer espiritual que nasce do aproximar-se do bem conhecido, do bem escolhido, do bem praticado.

Para saber mais
No ano passado dedicamos uma sequência de apontamentos e comentários da leitura desse livro em: Até aonde vai a tolerância?, As várias faces da intolerância e Da tolerância à solidariedade, nas edições 329, 333 e 336, do Pensar, respectivamente. Em razão das férias de fim de ano não foi possível publicar o último texto da sequência e, como neste ano surgiram outros temas prioritários, só agora está sendo possível fazê-lo.


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