Um ensino coerente pode parecer algo pragmático demais, já que o que é coerente para uns pode não ser para outros. No entanto, o uso da palavra coerente vai ao encontro de tentar definir uma função para que o processo regular de ensino-aprendizagem exista.
Observando os alunos em feiras científicas, pude constatar que, tanto alunos quanto professores assumem um papel bastante desafiador. O motivo deste desafio é que muitos projetos não são ‘quadrados’, como ocorre, por vezes, nas aulas regulares das disciplinas escolares. Ser ‘quadrado’ no sentido de fechar uma disciplina para outras possibilidades de conhecimento, como se houvesse a possibilidade de fragmentar o conhecimento sem ter prejuízos em sua compreensão. Em diversos projetos apresentados em feiras científicas (como a Fecipan, no Instituto Federal de Corumbá-MS) visualizei projetos que, escolhidos pelos alunos, englobavam muitas áreas do conhecimento (essa necessidade de ampliar os horizontes, não de limitar a visão, é notória).
A importância de entrelaçarmos as disciplinas escolares a partir de objetivos que elas tenham em comum é uma necessidade imprescindível para que se trabalhe com o conhecimento, já que o simples fato de existirmos no mundo nos coloca em situações singulares e complexas. Mesmo que se estude cartesianamente as partes, não olhar para o ‘todo’ é um erro que a educação (leia-se, todos os envolvidos na educação, desde os que trabalham com políticas públicas até o que executa o papel pedagógico em sala) vem cometendo há muitos anos. A imprescindibilidade de ampliar o olhar, não somente do sujeito que ensina (tradicionalmente colocado no papel de docente), mas também do que aprende (este também ensina, mas é chamado de discente) é tão bem defendido por personalidades como José Pacheco, Ruben Alves, dentre tantos outros. A própria neurociência nos ‘lembra’ da existência da memória associativa, capaz de unir diversas áreas em uma simples situação problema, capaz de integrar em uma ação evocações das lembranças de experiências vividas multisensorialmente.
A praticidade de um jovem (tal qual a simplicidade de uma criança) nos alerta (a nós, ‘adultos’) o quanto devemos valorizar a visão transdisciplinar na educação. O professor se vê despreparado quando um aluno quer pesquisar algo que envolva conhecimentos de áreas diversas, os quais o professor não domina. Essa é a mágica da docência. Não podemos fugir disso. Não podemos deixar o espírito burocrático dos ‘adultos’ sufocar o idealismo ‘prático’ dos jovens… mediar sim, castrar, não. Porém, como fazer?
Substituir disciplinas por assuntos, conteúdos isolados por projetos (repletos de conteúdos diversos) parece utopia. Ainda bem que o sistema educacional da Finlândia diz que não. Até 2020 pretendem implantar o ensino transdisciplinar em todas as escolas, ainda que haja resistência de uma parte dos professores deste país. O ensino transdisciplinar da Finlândia lembra bastante o que ocorre nas feiras científicas Brasil afora, pois geram tecnologia e, não somente isso, tecnologia social e tecnologia para a melhoria das questões sociais. Por trás de uma pesquisa, da elaboração de um projeto científico, há, por parte do jovem, uma esperança de que aquela ideia (quando colocada em prática) auxilie a sociedade de alguma forma. Isto pode ser confirmado em depoimentos encontrados no Diário on Line:
“O projeto de Raphael Vilalva de Queiroz, 17, e Elayneda Silva Porto, 16, pretende avaliar os efeitos de continentalidade da água da chuva que cai sobre a região de Corumbá. Os dois estudantes estão no 2º período do curso integrado em Metalurgia do IFMS. A pretensão do projeto deles é coletar amostras de água e analisar, através da quantidade e do peso das moléculas, se é maior a quantidade de água da chuva que vem do litoral ou de florestas que têm rios.”
Quando jovens tratam de questões ligadas à sua experiência de vida ou às necessidades que eles mesmos identificam na sociedade, o conhecimento marca, envolve e motiva. A experiência do aluno serve de aprendizado até mesmo para os professores, como destacado no link, que trata de uma explanação da aluna Iasmim da Silva Peinado Ferreira – ainda no segundo semestre do ensino médio técnico do IFMS (campus Corumbá) – aos professores de diversas escolas da região sobre como elaborou seu projeto de pesquisa e alcançou uma premiação na Fecen (feira que envolveu alunos de diversas cidades do Mato Grosso do Sul).
“Na segunda-feira passada, a aluna Iasmim da Silva Peinado Ferreira da Turma 2024 (IFMS – Campus Corumbá), fez uma explanação do seu trabalho: “Anorexia e Bulimia: Um segredo da adolescência” para os participantes da Oficina de Pesquisa. A apresentação foi de excelente proveito, pois elucidou o modo de como proceder e conduzir um aluno(a) em um projeto de pesquisa. Agradecemos imensamente a Iasmim da Silva Peinado Ferreira pela disposição.
É possível ver os desdobramentos destes conhecimentos gerados em um nível de repercussão internacional, quando levam suas pesquisas para congressos e feiras fora do estado de origem e, por vezes, fora do Brasil, como registrado na reportagem do IFMS
Portanto, falar da necessidade da realização das pesquisas como FORMA de ensino, não somente como uma atividade opcional, é fomentar o uso de projetos científicos como ‘alavancas de conhecimento’. Isto requer o uso de um pensamento organizado e solicita conhecimentos de diversas áreas, simultaneamente. Os problemas do mundo, por exemplo, requerem uma visão transdisciplinar, como, por exemplo, quando voltamos nossos olhares para a sustentabilidade, para a tecnologia (e sua função social), para a economia, dentre outras possibilidades de análise. Enquanto isto não acontece, as escolas pelo Brasil afora continuarão ensinando para o vestibular, não para o conhecimento. Valorizar a flexibilidade de pensamento exigida em um projeto científico significa valorizar o saber, a tecnologia e a sociedade. Buscar um ensino mais coerente pode estar à nossa frente, basta olharmos o que ocorre quando um aluno se envolve em um projeto, quando desenvolve uma ideia, quando sua participação é de autor e coadjuvante, não de expectador.