Estratégias antirracistas na educação básica: o espaço escolar em questão 

Edilson da Silva Cruz

Em 2021 a escola em que atuo como diretor, EMEF Virgílio de Mello Franco, na cidade de São Paulo, por sugestão dos estudantes dos 8º anos, debateu a presença do racismo em suas diversas formas na sociedade: como manifestação individual, que deve ser devidamente punida na forma da lei; como problema institucional, em que pessoas negras são discriminadas, dificultando a garantia de seus direitos básicos; como problema estrutural, que engloba as outras manifestações, constituindo a sociedade e suas estruturas (Almeida, 2019). O combate ao racismo vai além de ações individuais, exige compromissos políticos coletivos, ações institucionais, políticas públicas estruturantes, reparadoras etc.

Se o racismo se manifesta institucional e estruturalmente como um conjunto de relações de poder assimétricas, precisamos combatê-lo também dentro da escola. Uma forma de fazê-lo é confrontar a invisibilização a que são submetidas pessoas negras, especialmente no âmbito acadêmico, científico, escolar, artístico etc.

Partindo desta reflexão, propusemos uma ação concreta, visando perpetuar no espaço escolar a presença de personalidades negras estudadas ao longo do ano e outras escolhidas pelos alunos: todas as salas de aula agora são dedicadas a uma dessas personalidades. Convidamos grafiteiros e artistas da região para nos ajudar no trabalho. Assim surgiram as salas dedicadas a Rosa Parks, Marielle Franco, Jaqueline Goes, Lelia Gonzalez, Milton Santos, Martin Luther King, Tod One, Will Smith, Thiago Torres “Chavoso da USP”.

A partir de agora, essas pessoas estão presentes na escola, vemos seus rostos, partilhamos seus sorrisos e expressões, elas são modelo e exemplo para todos os estudantes e educadores. O desafio, porém, está só começando. As raízes da discriminação racial são profundas no ambiente escolar. Infelizmente, a afirmação de Lelia González, uma de nossas homenageadas, ainda na década de 1980, permanece atual em muitos contextos: “as crianças negras que vão à escola sofrem o estigma do pecado de serem negras, pois o discurso pedagógico as submete a diferentes maneiras de se envergonhar de si mesmas” (Rios e Lima, 2020, p. 182).

Em que pesem as conquistas sociais dos últimos 40 anos no campo da equidade racial, ainda é necessário que todos os educadores assumam para si a tarefa de visibilizar pessoas negras e suas conquistas como uma prioridade do currículo. Também é necessário que revisemos nossas práticas cotidianas, de modo a eliminar posturas preconceituosas e discriminatórias do nosso “discurso pedagógico”. A partir daí, como escola, poderemos dialogar melhor com toda a comunidade escolar, pais, responsáveis, instituições do entorno, visando desconstruir a ideologia da democracia racial e o culto à miscigenação que encobre os processos violentos de constituição da sociedade brasileira.

Milton Santos, ao discutir causas e efeitos da globalização na década de 1990, cunhou o termo sociodiversidade para designar o efeito do encontro involuntário de culturas provocado pelos processos sociais hegemônicos de mundialização, proveniente dos grandes centros de poder. Sociodiversidade é a consequência da mistura de pessoas, filosofias, raças, povos, visível em todos os continentes, cujos resultados escapam do controle hegemônico e podem significar o despertar de diversos tipos de resistência (Santos, 2001, p. 21).

Ao trazer esta ideia para pensar a escola pública brasileira, reconhecemos que também ali existe um encontro obrigatório de grupos sociais, étnicos e culturais, de certa maneira forçado pela compulsoriedade do ensino e cujo resultado, longe de significar harmonia e ausência de conflito, é potente de contradições. O fato da escola atender fundamentalmente a classe que vive do trabalho (Antunes, 2009) não a isenta de, no interior desta classe, reproduzir outras estratificações sociais, entre as quais o racismo. No entanto, é no interior mesmo destas contradições que a sociodiversidade da escola pode significar a gestação de estratégias distintas de resistência.

Para isso, é preciso reconhecer a persistência de estruturas institucionais racistas arraigadas na escola, dialogar com grupos sociais e movimentos que problematizam as questões étnico-raciais e ousar agir para reverter a invisibilidade que atinge pessoas negras e todo o legado cultural e social africano e afro-brasileiro. Se no contexto da globalização, a sociodiversidade é capaz de gestar “um novo discurso, [uma] nova metanarrativa, um novo grande relato” (Santos, 2001, p. 21), no interior da escola ela pode potencializar a equidade como reconhecimento das diferenças e desnaturalização das desigualdades. Dessa forma, cai por terra o mito da democracia racial e o culto à miscigenação, substituídos por uma nova compreensão, um novo discurso que desmistifica e denuncia as violências estruturais, contribuindo para uma nova perspectiva institucional e pedagógica.

O combate ao racismo em suas dimensões institucional e estrutural é necessário para a consolidação da democracia política. Que nós, educadoras e educadores, tenhamos a ousadia de nos colocar a serviço de uma educação antirracista.

 

Para saber mais
ALMEIDA, S. Racismo Estrutural. São Paulo: Jandaíra, 2019.

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.

RIOS, F.; LIMA, M. Lelia Gonzalez: por um feminismo afrolatinoamericano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

SANTOS, M. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Record, 2001.


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