Estamos a superar o “desvalor” da educação infantil? – Marcelo Ribeiro

Estamos a superar o “desvalor” da educação infantil?

Marcelo Ribeiro

Infelizmente há uma inversão perversa em relação a valorização às etapas da educação escolar. Nesse sentido, quanto mais inicial a etapa escolar, menos valorizada ela é. Essa constatação se sustenta sob vários aspectos. Dentre eles é possível destacar a questão da formação e remuneração profissional. No caso da educação infantil, seus professores são os que menos recebem e os que têm os menores índices de qualificação (RIBEIRO, 2012). Isso sem falar nas conquistas em termos das políticas públicas, como é o caso da incorporação da educação infantil a educação básica, que se deu através da Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96.

É claro que é inegável os importantes avanços que valorizaram a educação infantil ocorridos nos últimos 20 anos, mas mesmo os considerando, ainda as marcas de um “desvalor” são visíveis. Possivelmente esse “desvalor” que trava o reconhecimento pleno da educação infantil, esteja também relacionado com a própria história da infância no mundo ocidental (ARIES, 1981). Isso, por sua vez, nos faz questionar o lugar que a criança ocupa na sociedade e algumas perguntas se fazem relevantes: Qual o valor que a criança assume na nossa sociedade? Como ela é vista? O que se espera dela?

É possível que alguns até digam que essa realidade do “desvalor” já foi ultrapassada e para sustentar tal afirmativa, apresentem dados relativos aos massivos investimentos feitos na educação infantil e o avalanche de recursos financeiros e tecno-pedagógicos empreendidos. Entretanto, se olharmos atentamente para ver o que acontece com as nossas crianças teremos uma triste surpresa. Elas (as crianças) estão sendo tratadas como investimentos, como recursos a produzirem bons desempenhos. As crianças, nos parece, estão sendo cobradas, no contexto da educação infantil, a responderem como alunos eficientes e, para tanto, os modelos neotecnicistas alinhados a biotecnologia, fazem delas verdadeiros adultos em miniaturas.

Um dado revelador é o uso indiscriminado do metilfenidato (mais conhecida em sua nomenclatura comercial como ritalina). De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos – IDUM, em 2000 foram vendidas 71 mil caixas do metilfenidato e em 2008 esse número chegou a 1.147.000, representando um aumento de 1.616% e em 2010 esse número chegou a mais de 2 milhões (LERNER, 2014).

Como sabemos que esse medicamento é, majoritariamente, recomendado a crianças com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiper Atividade – TDAH, há um exagero não condizente com a média mundial de pessoas com TDAH. Portanto, os dados do consumo mostram que muitas das nossas crianças estão sendo medicalizadas para ter um comportamento obediente em sala de aula. Além disso, os modelos neotecnicistas que já chegaram a educação infantil tem deixado as crianças verdadeiras treiners de vestibulares, do Enem e de concursos públicos. Isso tudo sem falar nos treinos e induções relativos as habilidades sócio afetivas.

Onde está o lúdico? Onde está o direito ao brincar? A escolarizar hegemonicamente a educação infantil não estaríamos negando a especificidade da infância? O que a medicalização das crianças nos revela? Que concepção de infância escondem os modelos neotecniscitas? Estamos a superar o “desvalor” da educação infantil ?

Referência

ARIÉS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1981.

MEIRA, Marisa Eugênia Melillo. Para uma crítica da medicalização na educação. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 135-142

RIBEIRO, Marcelo Silva de Souza. Les routines et leurs ajustements dans la pratique educative de l’enseignante d’éducation enfantine. Thèse du Doctorat en Education. Université du Québec à Montréal – UQAM, Montréal, 2013.

Prof. do Colegiado de Psicologia – Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF

 

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