Estado Religioso

Editorial da edição 315 do Jornal Pensar a Educação em Pauta

Desde o início de seu governo, o Presidente da República e sua equipe têm sido eloquentes em afirmar o fim do Estado Laico no Brasil. Seja em manifestações públicas, seja em Atos Oficiais do governo, seja no estabelecimento de políticas públicas, o Governo Bolsonaro, a despeito da Constituição, vem afirmando repetidamente a intenção de implantar oficialmente um Estado Religioso Cristão no país. Assim, não é por acaso que o Ministro da Educação tenha se manifestado esta semana a favor da escolarização doméstica e em defesa de que a socialização das crianças pode ser feitas nas igrejas.

Como sabemos, defesa da educação em casa, e não na escola, é feita, sobretudo, por grupos conservadores e reacionários cristãos que querem proteger suas crianças dos contatos com os “males do mundo” e, ao mesmo tempo, reafirmar princípios tradicionais no âmbito da educação, na cultura e na política, como a ideia de que à escola cabe apenas instruir, a superioridade da cultura cristã e que as mulheres devem retornar ao “reino do lar”.

Como sabemos, a manifestação do Ministro da Educação faz coro às políticas defendidas por integrantes do primeiro escalão do Governo e pelo próprio Presidente da República. É por isso mesmo que a questão não pode ser analisada apenas e tão somente no âmbito das políticas educacionais e, sim, sob o prisma muito mais amplo dos embates entre projetos de sociedade em curso, hoje, no Brasil. Na sorte da escola pública laica e para todos e todas joga-se a sorte do próprio Estado Laico, no país.

No Brasil, o Estado foi oficialmente cristão católico até o final do Império e a República, apesar de ter estabelecido formalmente a sua laicidade, jamais logrou êxito em fazê-lo na prática. Ainda hoje, são abundantes os exemplos de que laicidade do Estado é um pio desejo republicano. A começar pelo nosso calendário civil e escolar, profundamente cristãos católicos, passando por atos e manifestações de inúmeros agentes públicos  no exercício dos deveres de seus cargos, até a imagética de nossas instituições públicas, tudo exala  as faces cristãs e católicas do Estado brasileiro.

É nesta tradição cultural, política  e educacional que se situa as lutas em curso dos grupos conservadores e reacionários para ao restabelecimento oficial, ainda que inconstitucional, do fim da laicidade da educação e, na mesma tacada, do Estado nacional. Neste sentido, ainda que haja divergências entre eles, com o claro pendor da maior parte dos grupos religiosos bolsonaristas pela mobilização de doutrinas avessas ao catolicismo, eles se irmanam na defesa de que o Estado deve, por espelhamento, ser cristão, como a maioria dos brasileiros e brasileiras o são.

A ausência de uma tradição laica entre nós não pode, neste momento, ser a justificativa de um “esquecimento” ou reforma da Constituição e da legislação infraconstitucional para dar vazão a projeto reacionários, antidemocráticos e fundados nos cristianismos abraçados pelos governantes de plantão. Todos e todas já sabemos muito bem onde isso vai dar: no fim da democracia, no aumento da violência política e policial, no combate às “heresias” religiosas e nos privilégios concedidos aos “escolhidos por deus”.

No entanto, como tem sido a tônica das defesas democráticas ao longo dos últimos séculos, é fundamental cerrarmos fileiras em defesa da laicidade do Estado, das instituições públicas e das políticas deles derivadas. Apenas um Estado Laico pode tratar com igualdade e equidade legais ao conjunto das religiões, das igrejas e das manifestações religiosas organizadas e/ou práticas dentro do território nacional. Apenas um Estado Laico pode proteger os direitos daqueles e daquelas que optam por não ter religião. Somente um Estado Laico pode atuar de forma igualitária e  democrática e proteger a própria democracia e os direitos de todos os cidadãos e todas as cidadãs, independentemente de suas crenças ou religiões!


Imagem de destaque: STF/Wikimedia Commons

 

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Estado Religioso

Desde o início de seu governo, o Presidente da República e sua equipe têm sido eloquentes em afirmar o fim do Estado Laico no Brasil. Seja em manifestações públicas, seja em Atos Oficiais do governo, seja no estabelecimento de políticas públicas, o Governo Bolsonaro, a despeito da Constituição, vem afirmando repetidamente a intenção de implantar oficialmente um Estado Religioso Cristão no país. Assim, não é por acaso que o Ministro da Educação tenha se manifestado esta semana a favor da escolarização doméstica e em defesa de que a socialização das crianças pode ser feitas nas igrejas.

Como sabemos, defesa da educação em casa, e não na escola, é feita, sobretudo, por grupos conservadores e reacionários cristãos que querem proteger suas crianças dos contatos com os “males do mundo” e, ao mesmo tempo, reafirmar princípios tradicionais no âmbito da educação, na cultura e na política, como a ideia de que à escola cabe apenas instruir, a superioridade da cultura cristã e que as mulheres devem retornar ao “reino do lar”. 

Como sabemos, a manifestação do Ministro da Educação faz coro às políticas defendidas por integrantes do primeiro escalão do Governo e pelo próprio Presidente da República. É por isso mesmo que a questão não pode ser analisada apenas e tão somente no âmbito das políticas educacionais e, sim, sob o prisma muito mais amplo dos embates entre projetos de sociedade em curso, hoje, no Brasil. Na sorte da escola pública laica e para todos e todas joga-se a sorte do próprio Estado Laico, no país.

No Brasil, o Estado foi oficialmente cristão católico até o final do Império e a República, apesar de ter estabelecido formalmente a sua laicidade, jamais logrou êxito em fazê-lo na prática. Ainda hoje, são abundantes os exemplos de que laicidade do Estado é um pio desejo republicano. A começar pelo nosso calendário civil e escolar, profundamente cristãos católicos, passando por atos e manifestações de inúmeros agentes públicos  no exercício dos deveres de seus cargos, até a imagética de nossas instituições públicas, tudo exala  as faces cristãs e católicas do Estado brasileiro.

É nesta tradição cultural, política  e educacional que se situa as lutas em curso dos grupos conservadores e reacionários para ao restabelecimento oficial, ainda que inconstitucional, do fim da laicidade da educação e, na mesma tacada, do Estado nacional. Neste sentido, ainda que haja divergências entre eles, com o claro pendor da maior parte dos grupos religiosos bolsonaristas pela mobilização de doutrinas avessas ao catolicismo, eles se irmanam na defesa de que o Estado deve, por espelhamento, ser cristão, como a maioria dos brasileiros e brasileiras o são.

A ausência de uma tradição laica entre nós não pode, neste momento, ser a justificativa de um “esquecimento” ou reforma da Constituição e da legislação infraconstitucional para dar vazão a projeto reacionários, antidemocráticos e fundados nos cristianismos abraçados pelos governantes de plantão. Todos e todas já sabemos muito bem onde isso vai dar: no fim da democracia, no aumento da violência política e policial, no combate às “heresias” religiosas e nos privilégios concedidos aos “escolhidos por deus”.

No entanto, como tem sido a tônica das defesas democráticas ao longo dos últimos séculos, é fundamental cerrarmos fileiras em defesa da laicidade do Estado, das instituições públicas e das políticas deles derivadas. Apenas um Estado Laico pode tratar com igualdade e equidade legais ao conjunto das religiões, das igrejas e das manifestações religiosas organizadas e/ou práticas dentro do território nacional. Apenas um Estado Laico pode proteger os direitos daqueles e daquelas que optam por não ter religião. Somente um Estado Laico pode atuar de forma igualitária e  democrática e proteger a própria democracia e os direitos de todos os cidadãos e todas as cidadãs, independentemente de suas crenças ou religiões!


Imagem de destaque: STF/Wikimedia Commons

 

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