Escola é lugar de vida

Nos últimos 2 meses, nos deparamos com notícias de eventos violentos contra as escolas, os quais interrogam a lógica de sua existência. Infelizmente, estes não são casos isolados. De acordo com o relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, produzido pela rede “Campanha Nacional pelo Direito à Educação” para a equipe de transição do atual governo, desde o início dos anos 2000, já ocorreram pelo menos 16 ataques, dos quais, 4 aconteceram no 2o semestre de 2022 e 2  nesses quatro primeiros meses de 2023, culminando em 39 pessoas – crianças, jovens e adultos – mortas.

A violência nas escolas e das escolas tem sido tema de debates e pesquisas em nosso país há várias décadas, os quais buscam contribuir com ações políticas e pedagógicas. Mas a violência  sofrida pelas escolas é algo de certo modo inédito, sobre o qual ainda não temos recursos prontos para enfrentar.

Os eventos vêm se registrando em nossa memória pelo nome do local onde ocorreram: Realengo (RJ), São Caetano do Sul (SP), Goiânia (GO), Suzano (SP), Alexânia (GO), Saudades (SC), Barreiras (BA), Sobral (CE), Aracruz (ES), São Paulo (SP), Blumenau (SC). Beira o insuportável!

O que esses eventos têm em comum? Certamente que cada ocorrência conta com elementos multifatoriais envolvidos, mas não podemos deixar de mencionar o fato de que ocorreram num período do nosso país marcado por um contexto social imerso na escalada do ultraconservadorismo e extremismo de direita, somado à política de armamento da população civil, adotada pelo Governo Bolsonaro, além da falta de controle e de criminalização de discursos de ódio difundidos sobretudo através de meios digitais, culminando em ações que visam à cooptação de jovens para as práticas de violência contra os sujeitos da escola e o espaço escolar. O mais assustador é que estas ações não estão no terreno subterrâneo da deep web ou dark web, mas na superfície, em aplicativos como Telegram, WhatsApp, Discord, Twitter e TikTok.

E por que direcionadas aos jovens? As respostas podem ser muitas, tendo em vista os vários campos do conhecimento. Recorrendo aos estudos no campo da psicanálise, podemos dizer que ao longo da delicada fase de transição da vida infantil para a vida adulta, na falta de recursos para lidar com o que aflige, alguns sujeitos adolescentes, sem alternativas simbólicas que lhes permitem alguma decifração, podem se ver convocados a aderir a certos discursos totalitários, na ilusão de que ali possa haver uma resposta para o que lhes angustia e para o qual não há um nome.

Cabe dizer que a precariedade simbólica é uma constatação no nosso tempo. Um tempo acelerado, da pressa, em que a palavra perde espaço para sinais rapidamente codificáveis. E poucos são os espaços em que a palavra circula tecendo laços.

A escola, mesmo com todos os seus problemas estruturais, deve ser reconhecida como um lugar de transmissão simbólica, capaz de favorecer a constituição das subjetividades, das juventudes. Diante disso, torna-se importante repetir que esse espaço precisa de investimentos! Sempre!

Este momento de violência às escolas nos convida também a prestar atenção nos prejuízos causados pela redução gradativa da presença de componentes curriculares que favorecem a construção de ideais de justiça, solidariedade, respeito e combate a preconceitos de qualquer natureza. Nesse sentido, a proposta do Novo Ensino Médio, que minimiza a presença das Artes, das Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas, em prol de Trilhas de Aprendizagem precarizadas, contribui para o esvaziamento do sentido da escola como lugar de exercício da cidadania, da democracia, dos direitos humanos, do debate, do embate, da invenção, da palavra.

Por isso, contrariamente ao investimento em projetos de militarização dos espaços escolares, de aparatos de vigilância e segurança, de privatização do ensino público, de educação domiciliar, de escolas sem partido… o caminho deveria ser no sentido de investir em todas as instâncias que contribuem para a afirmação da escola como lugar de vida.


Imagem de destaque: Galeria de Imagens

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