Das centenas de filosofias brasileiras, nos foi imposta uma visão de mundo ideal, puritano, fragmentando corpo/mente/espírito. Temos muito a aprender com os outros modos de pensar. Infelizmente, são conhecimentos orais que são combatidos pela ideologia dominante; combate potencializado pela restrição territorial imposta às muitas etnias que resistem no Brasil e pelo mundo, onde muito já se perdeu em decorrência do modo colonizador e colonizante com que os governos e instituições funcionam.
No dia a dia dos governos e instituições diversas, vemos o racismo e o combate à diversidade de olhares sobre o mundo. No âmbito educativo, as “grades” curriculares nos prendem e reforçam o Racismo Pedagógico, tanto em metodologia, quanto em conteúdos e práticas, mesmo que haja diversidade em ações e iniciativas – mas não é sobre isso que falo.
Mas há muitas e muitos que representam bibliotecas vivas para que sejam realizadas interlocuções, uma necessária interculturalidade, ao menos no nível intelectual. Já no nível das sensações, afetos e mudança na visão de mundo consumista e desequilibrada com as outras formas de vida, a catarse teria que ser muito maior, dolorida, até.
No artigo de opinião anterior, utilizei a expressão “Esse alerta fica para socialistas e comunistas de plantão que romantizam um modo de vida moderno consumista e degradante da natureza, como se nós também não fôssemos natureza”. De fato, o alerta sobre o desequilíbrio que o ser humano provoca no grande organismo que demos o nome de “Planeta Terra” não cabe à socialistas e comunistas, somente. Mas às(aos) que intentam revolucionar e gerar uma sociedade com paz e equidade, o pensamento colonizador e uniformizador não cabe. O alerta foi feito somente para “socialistas e comunistas de plantão” que insistem no antropocentrismo e no esgotamento da natureza para o bem-estar de somente uma espécie (a humana).
Portanto, não é somente uma questão de acúmulo teórico ou afinidade com a teoria x ou y. O fato das experiências locais (não alinhadas ao sistema empresarial no qual vivemos) não serem valorizadas reflete uma desvalorização de saberes diversos e geram uma falsa pretensão de que é preciso determinado grupo chegar ao poder para “comandar” mudanças, de maneira homogeneizante e exercendo domínio sobre lideranças locais (xamãs, caciques/cacicas, chefas/es de quilombo, mestras e mestres locais, e tantos outros nomes quanto a diversidade que existe e resiste).
Fico aqui pensando em grupos políticos ou escolas públicas (e, por que não dizer, particulares) chegando em território de Ganga Zumba, Tereza de Benguela ou nas aldeias e terras indígenas antigas ou atuais, com pessoas “bem intencionadas”, cheias de acúmulo teórico e conhecimento de gestão dizendo o que é melhor para as pessoas aprenderem ou como se organizarem.
Como, majoritariamente, temos dificuldade de fazer o exercício da diversidade, de entendermos que o Racismo Pedagógico existe porque há metodologias de ensino e conteúdos “consolidados” (ainda que de maneira crítica), resta reconhecermos que nossa “visão científica e tecnológica” não dá conta de entender os inúmeros fenômenos sociais advindos de filosofias distintas e suas interações com a invasão cultural e domínio territorial promovida pelo capital e pela chamada vida moderna.
Nesse exercício de empatia, deixo a música do grupo “Ponto de Equilíbrio”, chamada “Novo Governo”:
Deixa a Amazônia de pé
Trate o cerrado com mais amor
Em memória do tempo que passou
Queremos Presidente Fulni-ô
…
Queremos Secretário Yawanawá
Queremos na verdade é o Ministério do Xingú
Mas vamos ver se o sistema suporta
Um cacique Yanomami mandando no STJ
Queremos um embaixador, Krahô Sem caô, quilombola, quilombô
Um exército Kalunga
Onde o General é o grande Ganga Zumba
Vejo mais sangue correr no Brasil
Do que água de rio nesses anos 2000
Armas liberadas, milhões de rajadas transformam em vermelho o nosso azul anil
Mas eu não me iludo, de uma coisa eu sei Babilônia já caiu!
Vai ecoar no planalto o canto da vitória uma realidade que nunca existiu
…
Querem nos esmagar, vamos resistir E até o final vamos lutar
Povo latino se uniu, vamos consagrar
Y la pacha mama preservar
Deixa a Amazônia de pé
Trate o cerrado com mais amor
Em memória do tempo que passou
Queremos Presidente Fulni-ô
Imagem de destaque: Janine Moraes / Minc