Cleiton Donizete Corrêa Tereza
Nos últimos anos a palavra empatia passou a ser usada com frequência. Está presente nos livros, nos textos de jornal, nas postagens nas redes sociais, nos manuais das empresas, nos programas de TV, nas estratégias de marketing e também nas escolas.
Nas unidades escolares em que trabalho, já ouvi em várias ocasiões: na preparação do ano letivo para receber alunos e colegas, diante de desentendimentos entre estudantes, durante discussões em conselhos de classe, em reuniões com orientações às famílias. Enfim, em diferentes momentos, aparece alguém e diz: “mais empatia, por favor”.
Em geral, a definição apresentada é: empatia significa se colocar no lugar do outro. Dessa forma, no campo da educação, de acordo com os discursos, ou sermões, é necessário que as pessoas se coloquem no lugar das outras para evitarem atitudes ofensivas ou indiferentes, passando à compreensão e ao diálogo, combatendo injustiças e solucionando conflitos.
Ao menos desde que Edith Stein (canonizada como Santa Teresa Benedita da Cruz), que há cerca de um século, em sua tese de doutorado orientada pelo filósofo da fenomenologia Edmund Husserl, se debruçou sobre “o problema da empatia”, temos uma reflexão que demonstra o quanto a questão é exigente e complexa.
Como na época de Stein, vivemos em um período de aprofundamento das crises, com avanço dos fascismos, porém, nossas dificuldades parecem agravadas por buscarmos simplificações, operando na sistemática de uma sociedade do consumo. Empatia é um termo estudado pela Psicologia e pela Filosofia, dentre outras áreas do conhecimento que, digamos, tem cumprido um papel importante, mas não é simples como tantas vezes se verbaliza nos ambientes escolares; há uma complexidade e talvez seja difícil de atingir.
Em uma das escolas em que trabalhei, lecionava ética para turmas de 8º e 9º anos do ensino fundamental II. Foi uma experiência marcante em minha trajetória como professor, por alguns motivos. Primeiramente, tive um conflito comigo mesmo: como lecionar ética sem cair em conduções moralizantes que sempre questionei? Além disso, tinha que escolher e produzir materiais didáticos, elencar temas, elaborar atividades, porque, como foi uma proposta que surgiu da própria escola, não existiam diretrizes fixas e materiais prontos, o que resultou num processo trabalhoso, porém, significativo.
Nessas aulas, também realizava regularmente assembleias com os alunos. E minha experiência com essas aulas e com as assembleias sinalizou que a ideia de empatia, da forma simplista como se diz, tem um alcance limitado. Quando discutíamos os problemas, tentando compreendê-los e, quem sabe, solucioná-los, lançar o argumento que era preciso tentar se colocar no lugar do outro, tentar sentir o que ele sentiu, ajudava momentaneamente e até despertava emoções; contudo, as mesmas atitudes que geravam desentendimentos voltavam a ocorrer. Passou a ficar claro para mim o desafio: é mesmo possível se colocar no lugar do outro? Se eu conseguir sentir o que o outro sente, perceber o que ele percebe, ainda serei eu mesmo, ou serei o outro? Que tipo de experiência, de sensibilidade, de memórias, precisamos acessar para levar até as últimas consequências a empatia? E em sala de aula, com adolescentes em formação, considerando nossa realidade concreta, isso seria possível à maioria?
Portanto, ao ouvirmos nas escolas o mantra “mais empatia, por favor”, sem conceber profundamente a exigência de “uma construção intelectual, ética e política”, como afirmou Djamila Ribeiro, faz sentido nos perguntarmos se realmente essa é uma proposta viável ou um desvio para não encararmos com honestidade e coragem nossos conflitos, suas reais causas e consequências.
Diante dessas dificuldades, qual caminho seguir? Que perspectiva podemos desenvolver para avançar, contribuindo com uma educação com potencialidades efetivas para as práticas solidárias e emancipatórias? Tanto nas aulas de ética, como nas assembleias, e também nas aulas de História, que é meu componente curricular titular, tenho percebido que existe uma grande necessidade de buscarmos desenvolver não exatamente propostas que visem tensionar para o entendimento do que há de semelhante em mim e no outro, mas sim, o que há de diferente.
Com a melhor das intenções, também se diz, repetidas vezes no dia a dia das escolas, que “somos todos iguais”. Em certas situações surge até um apelo indevido às justificativas de cunho religioso. Isso é muito limitado, além do que pode colaborar para o desenvolvimento do que poderíamos chamar de empatias seletivas. Talvez, seja mais relevante investirmos nos estudos e no convívio que proporcionem oportunidades de reflexão e uma dinâmica cotidiana reveladora do contrário, isto é, como todos nós somos diferentes. Sentimos, desejamos, enxergamos, escutamos, elaboramos de formas diferentes, em temporalidades e intensidades também muito diferentes.
O reconhecimento da diferença, da diversidade, da alteridade, compreendendo a imensidão da dimensão que é o Outro, no sentido do que afirmava Emmanuel Lévinas, pode ser uma concepção que nos ajude a superar parte da ingenuidade e da superficialidade nociva que, ao mesmo tempo, expressam o agravamento da crise em que nos encontramos, e com ela contribuem.
Para saber mais:
RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 90.
Imagem de Destaque: Cleiton Donizete Corrêa Tereza