Educação para a coletividade

Eduardo José Machado Monteiro

Durante um grande período da nossa história republicana, a escola pública era para poucos e soberana entre todas. Mas as escolas, nesse tempo não universais, não eram para todos, mesmo sendo públicas, e eram poucas.

Com o processo de desenvolvimento e democratização do país, começamos a ver uma escola pública para todos, universal”. Hoje temos 98% das crianças e jovens em idade escolar matriculados nas escolas públicas espalhadas pelo país.

No entanto, escolas para todos não quer dizer educação para a coletividade. Se observarmos a história da própria escola pública, perceberemos que ela não começa para todos. Era principalmente para a elite socioeconômica dos diversos municípios que possuíam escolas.

Observemos as escolas internamente. Em uma aula de Sociologia, discutindo o processo de formação da identidade brasileira e destacando características que nos distingue de outros países, um aluno, com intuito de exemplificar essas diferenças, nos conta uma história que acontecera em sua casa. A família dele recebia um rapaz proveniente da Suíça. Ele, aluno, em um domingo pela manhã, resolveu bater uma vitamina no liquidificador, e assim começou a fazer, quando o suíço, de outro ambiente da casa, foi às pressas para a cozinha e disse que não deveria bater a vitamina, pois iria fazer barulho. O aluno interrompeu o liquidificador e perguntou qual o problema de se fazer barulho. O suíço respondeu que incomodaria os vizinhos. E completa afirmando ser na Suíça proibido fazer barulho aos domingos, pois era o dia de descanso de todos.

A história terminaria aí se não fosse a pergunta do aluno: “e se fizer barulho, o que acontece?” O suíço então responde: não sei, nós nunca fizemos barulho aos domingos.”

Obviamente o rumo da aula se transformou. Alguns alunos achando um absurdo aquele rigor todo, afinal de contas era apenas uma vitamina batida rapidamente num liquidificador. Outros vangloriaram a civilidade suíça com um quê de inveja. O professor então fez duas observações. A primeira referindo-se à preocupação com a coletividade. Domingo é o dia do descanso, fazer barulho atrapalha, incomoda o descanso do outro. Aqui, não só o domingo, mas todo o final de semana é o momento de relaxar, música alta no som do automóvel parado na rua, brincadeiras de crianças, adolescentes e jovens nas ruas sem preocupação com o sossego dos vizinhos, entre tantas outras situações que desconsideram o outro e pensam apenas em si mesmos.

A segunda observação do professor refere-se à pergunta do aluno ao suíço. “O que acontece se fizer o barulho?” Como está enraizado na nossa cultura a ideia de que se não tiver penalidade, ou maiores consequências, então pode-se fazer. O conhecido “jeitinho brasileiro”, que dá solução para tudo.

A escola não é nada mais que um instrumento de formação e confirmação da sociedade que vivemos. Diante disso, podemos ver que a escola não faz outra coisa a não ser reproduzir o que essa sociedade lhe impõe. E a sociedade brasileira elitista, desigual, de privilégio para poucos, racista, entre outras características, não teria em suas estruturas escolares outra postura que não fosse individualista.

O processo individual de aprendizagem do aluno nas escolas é prioritariamente valorizado. Mesmo quando se trabalha em grupo, não há uma intenção voltada para a coletividade. A preocupação é a aprendizagem do aluno, do indivíduo.

Explorando ainda a aprendizagem, podemos perguntar: o que faz o aluno com o objeto aprendido? Não há uma intenção coletiva, mas apenas individualista. Aprende-se para fazer uma prova, para fazer um teste que qualificará para outro segmento (vestibulares, ENEM). Todo aprendizado é voltado para o indivíduo. Um aluno tem que ser qualificado em tudo, em todas as disciplinas.

O silêncio sepulcral da maioria das escolas durante o período de funcionamento, em que os alunos se encontram em aulas, nos mostra também como as regras são imposições para garantir o aprendizado do indivíduo concentrado e atento.

Não nos organizamos, enquanto escola, para a coletividade. A escola não está voltada para o coletivo, não tem a dimensão da solidariedade, não se preocupa com o outro, tanto aquele próximo, e principalmente quanto aquele distante. Muitas vezes coloca alunos contra alunos, compara-os, denigre a imagem de uns e valoriza outros.

Não estudamos matemática, história, geografia, biologia, química, sociologia, filosofia, ou seja, todas as disciplinas para repensarmos nossas atitudes, para construirmos uma sociedade futura melhor.

Coletividade não é um anseio da nossa sociedade, nem bem estar social, nem respeito ao outro. Nos últimos tempos, principalmente nesse período da pandemia, está mais do que claro que o outro e a coletividade não é a preocupação da nossa sociedade. “Cada um por si e salve-se quem puder.”

Precisamos construir uma Escola que seja pautada no coletivo, onde a aprendizagem se faça em grupo, a partir de projetos, com uma base ética sólida, de forma democrática, objetivando a melhoria da sociedade, com a participação de todos, alunos, professores, funcionários, pais, administrativo e comunidade.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 1º, Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” Para isso necessitamos uma sociedade equânime, diversa, justa, democrática, ou seja, em que a coletividade esteja em primeiro lugar.

Nessa sociedade, a Escola deve proporcionar uma educação em que “Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.” (Artigo 29 – Declaração Universal dos Direitos Humanos)


Imagem de destaque: pxhere

 

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