Educação e Psicologia: Política e ofensivas fundamentalistas

Ematuir Teles de Sousa

Recentemente, vivemos no Brasil as eleições presidenciáveis que reelegeu Luiz Inácio Lula da Silva como novo presidente entre 2023 e 2026. Esse parece ser o respiro esperado por muitos desde o golpe que levou ao impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e a eleição de Jair Messias Bolsonaro, em 2018. Bolsonaro se popularizou como Deputado Federal, em 2013, a partir do tratamento depreciativo ao material do Ministério da Educação (MEC) –  produzido com objetivo de enfrentar a violência e discriminação vivenciada pela população LGBTQIAP+ no chão da escola, a qual intiulou de “kit gay”. Esse levante encontrou apoio de outros deputados que possuíam agenda de cunho fundamentalista religioso e que contribuíram para disseminar a ideia de que o material serviria para acabar com a “família” e ameaçar as crianças. Criou-se um “fantasma de gênero”, propagado como “ideologia de gênero”, posicionando pessoas LGBTQIAP+,  Feministas e o campo de estudos críticos de gênero e sexualidades como ameaças para a sociedade (MISKOLCI, 2018).

Não é novidade que a gestão de Bolsonaro atenta contra a ciência, arte, jornalismo, meio ambiente, contra as políticas públicas, contra as pautas e reivindicação de direitos sociais de diversos segmentos da sociedade. Em seu governo é nítido o aumento da pobreza, da fome, do desemprego, bem como o descaso com a maior crise sanitária que vivemos  –  a Pandemia de COVID-19 – e com as mais de 680 mil mortes em decorrência desta, além de ter contribuído para a legitimação da violência, do ódio às diferenças, enfim, do horror.

Como professor de psicologia em instituições de ensino superior de Santa Catarina, compartilho com outros colegas psicólogos e professores grandes desafios no contexto de formação durante estes anos de bolsonarismo. Para quem é profissional da área, sabe que o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEP, 2005) se alicerça em princípios dos direitos humanos, de combate a discriminação, violências e opressões, de defesa de Políticas Públicas, indispensáveis para a promoção de sáude integral, o que torna a prática da(o) psicóloga(o) uma ação de cunho ético-político, envolve, portanto, discutir de forma crítica e complexa a realidade social, econômica e política. Porém, tenho acompanhado situações de professores/psicólogos em que  essas discussões têm sido compreendidas como “comunistas, esquerdistas, petistas e anticristão”. Não penso ser ao acaso que isso ocorra em um dos estados que mais votou em Bolsonaro no segundo turno, 69,27% dos votos válidos (TSE, 2022).

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) por meio da produção de normas que regulamentam a profissão no Brasil, posiciona o exercício profissional de forma contrária a patologização das experiências de pessoas LGBTQIAP+ e, principalmente, convoca para uma atuação social de combate às diferentes formas de opressões e violências. Entretanto, isso não tem sido o suficiente para que ações contrárias a essas regulamentações sejam impedidas. É perceptível, por exemplo, propostas de projetos de leis e processos judiciais que visam sustar e/ou desestabilizar  as resoluções (Resolução CFP 01/1999, Resolução CFP 01/2018) produzidas pelo CFP com o intuito de salvaguardar os direitos dessa população, tais ofensivas, articulam-se a discursos religiosos de viés fundamentalista e antidemocrático (LIONÇO, 2017; CAVALCANTI, CARVALHO, BICALHO, 2019), profissionais passaram a se autointitular “psicólogas cristãs” (*), defendendo práticas de reorientação sexual e identidade/expressão de gênero em diferentes âmbitos: legislativo, judiciário.

Isso aponta para um contexto complexo de disputa que envolve a noção científica da Psicologia, sobretudo acerca das discussões de gênero e sexualidades no cenário político brasileiro atual. Lemos (2017), propõe que analisemos esse contexto problematizando as práticas sociais, econômicas, políticas, culturais e subjetivas que alimentam uma cultura política autoritária. Essa política se desdobra desde os processos ditatoriais vivenciados no país e se alicerça a partir da difusão do ódio, do ressentimento, do terror, a qual operam  racionalidades e tecnologias microfacistas e neoliberais – que inferiorizam grupos, fecham acesso a direitos básicos, demarcam privilégios a poucos e fazem a gestão da vida e da morte.

 As ideias bolsonaristas estão espraiadas e sustentadas nos microfascismos cotidianos, nas instituições, nas relações interpessoais, nos afetos, nos apoios de muitos segmentos religiosos que se alicerçam com o neoliberalismo, ou seja, no modo como a história colonizadora, ditatorial e opressiva do país se reinventa.  Estes tensionamentos seguirão,  necessitamos portanto, cada vez mais nos articularmos para combater o que foi (re)aberto pela “caixa de pandora” autoritária e fazer valer o que passamos a enunciar desde 2018: “ninguém solta a mão de ninguém”.

Sobre o autor
Psicólogo (CRP-12/12502); Professor de Psicologia; Especialista em Psicologia Clínica (CFP); Mestre em Psicologia (UFSC); Doutorando de Psicologia (UFSC).

(*)  Importante destacar que essa expressão não é legitimada pela Psicologia como Ciência e Profissão, dado o princípio da Laicidade, fundamental para o exercício da prática.


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