Quais os desafios educacionais emergentes da crise da democracia liberal? Seguramente esta questão atravessa as preocupações dos professores brasileiros, sobretudo quando somos interpelados pelas condições políticas que estamos experimentando atualmente. São inúmeros os dilemas a que somos expostos diariamente e, com certa desilusão, assistimos a um desmantelamento de nossa agenda democrática no campo educacional. Precisamos construir novas bandeiras de luta e outras formas de enfrentamento; todavia, antes disso, carecemos de bons diagnósticos que nos oportunizem uma percepção mais esclarecedora do tempo em que estamos vivendo.
A obra “Ruptura: a crise da democracia liberal” (Zahar, 2018), de Manuel Castells, oferece-nos algumas pistas importantes para reenquadrarmos nossas ferramentas intelectuais na compreensão do nosso tempo. De acordo com o sociólogo, não resta dúvidas de que vivemos um momento de crises intensas, de ordem social, econômica, ecológica, dentre outras. Existe uma crise, entretanto, que traz “consequências devastadoras sobre a (in)capacidade de lidar com as múltiplas crises que envenenam nossas vidas: a ruptura da relação entre governantes e governados”. A deslegitimação das formas de representação política e a desconfiança em torno das instituições democráticas poderiam ser melhor explicitadas em torno da noção de “ruptura”.
“Não é uma questão de opções políticas, de direita ou esquerda. A ruptura é mais profunda, tanto em nível emocional quanto cognitivo. Trata-se do colapso gradual de um modelo político de representação e governança: a democracia liberal que se havia consolidado nos dois últimos séculos, à custa de lágrimas, suor e sangue, contra os Estados autoritários e o arbítrio institucional.”
Acompanha este cenário as mobilizações políticas da última década construídas em torno do slogan “não nos representam”. Porém, em efeito concomitante, também verificamos as reviravoltas eleitorais atribuindo ênfase a partidos nacionalistas, xenófobos e muitas vezes ideologias ambíguas autonomeadas como “nova política”. O diagnóstico de Castells, ainda que breve, revela-se bastante perspicaz para caracterizar “o novo panorama político europeu e mundial”, considerando que em sua raiz está “a distância crescente entre a classe política e o conjunto dos cidadãos”.
Por meio das provocações realizadas pelo sociólogo, conseguiremos ampliar os horizontes de nossas inquietações e exercícios analíticos, aproximando-nos da incontornável questão do “colapso gradual de um modelo de representação”. Em tais condições, para nós que somos professores, impõe-se a tarefa de seguirmos interrogando: que modelos de políticas educacionais engendram-se neste cenário? Quais políticas de currículo e de avaliação delineiam-se na crise da representação? Como construir novos perfis formativos e outros modelos de governança sob a égide da “ruptura”?
Que a leitura de Castells alimente nossa capacidade crítica e criativa para seguirmos educando (e resistindo) no século XXI!
Imagem de Destaque: Pedro Cabral
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