Educação de qualidade

Nas últimas semanas um conjunto expressivo e variado de especialistas veio a público discutir a questão da qualidade da educação no país. O elemento detonador e catalisador desse movimento reflexivo foi a publicação, pelo INEP, das notas médias das escolas no ENEM do ano passado. Mais uma vez, o que mais chamou a atenção das mídias e dos comentaristas foram as escolas que estão no topo e, eventualmente, no final da lista do ranking produzido a partir de tais notas.

Transformadas em número, as escolas reais quase não são discutidas. Muito menos as políticas que as impactam. Pouco, muito pouco, se discutiu sobre a oportunidade de se utilizar tais dados para se pensar políticas efetivas para melhorar as escolas que, diariamente, milhões de crianças e de jovens frequentam em todo o Brasil.

Também, pouco parece preocupar a redução da qualidade da escola às médias do ENEM. Não se discute, de fato, a qualidade da escola, mas as médias, as notas das escolas. Há alguns anos, discutíamos o quanto o vestibular era o horizonte de qualidade das escolas brasileiras. Preparar para o vestibular era a senha que qualificava como boas as escolas brasileiras!

Para fugir a essa caracterização, inventamos o ENEM como Exame Nacional do Ensino Médio, justamente para avaliar a qualidade real e não aquela ficticiamente definida pelo vestibular. Rapidamente transformamos o ENEM num novo vestibular! Não é sem razão que hoje temos um vasto número de escolas brasileiras, sobretudo privadas, que se transformaram numa espécie de Pré-ENEM.

A força simbólica do ENEM, sintetizada e expandida pelas mídias por meio de uma super exposição e exploração dos rankings, acaba por jogar na sombra um sem número de experiências escolares que buscam oferecer uma experiência digna e proveitosa para nossas crianças e jovens. São experiências em que as escolas ainda se perguntam quais os sentidos da educação para as crianças, os jovens e suas comunidades, mais do submetê-las a uma frenética preparação para fazer um exame ou, mesmo, o ensino superior.

Dessas experiências pouco se fala, assim como pouco se alude ao fato de a educação ser um fenômeno mais amplo e denso do que a própria escola. A redução da educação à sua forma escolarizada, acaba por dificultar, quando não impedir, que se estabeleçam relações entre as experiências vividas pelos sujeitos dentro e fora do universo escolar, absolutizando este em detrimento de outros espaços educativos.

Dessa desconsideração sobre as outras experiências educativas, sobretudo no debate na mídia, resulta também que pouco se problematizam as outras experiências formativas oferecidas por nossas cidades às crianças e aos jovens a quem, pela natalidade, convidamos a vir ao mundo. A negação do direito à cidade, a seus espaços de convivência e produção cultural é, também, parte da negação do direito à educação de qualidade.

A segregação que se observa nos rankings construídos a partir das notas do ENEM – escolas boas x escolas ruins; escolas públicas x escolas privadas; escolas de ricos x escolas de pobres –, é parte de nossa longa história de segregação das crianças e jovens mais pobres, e se repete e se atualiza das mais diversas formas em nosso país, inclusive, em alguns casos, com a ativa colaboração do poder público.

Recuperar o direito de todos nós a uma educação como projeto político cultural que envolve a escola, mas que também a ultrapassa, é uma condição para que possamos pensar e fazer um projeto educativo que esteja conectado à qualidade de vida de nossa população infantil e juvenil. Se não conseguirmos avançar nessa direção, nos restará continuar deplorando ou implorando a qualidade da escola sintetizada e comunicada pelas notas e rankings do ENEM.

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