E por falar em currículo na EJA

Mônica Gomes*

“O professor entra na sala, cumprimenta, pede silêncio. Faz a chamada dos alunos, introduz rapidamente o tópico programático a ser abordado e, preenchendo o “quadro-negro” ou ditando, “passa o ponto”, enquanto os alunos copiam. O professor “explica”, repetindo o que já foi copiado. A escola cumpriu mais uma etapa de seu papel social…”

Ao ler este trecho em uma tese de doutorado cujo objeto de pesquisa foi o currículo escolar, veio-me a indagação, semelhante à do autor: “Quantas vezes em nossa vida escolar repetimos – como alunos – ou reproduzimos – como professores – esta rotina, de forma “natural”, em sala de aula?”. E na EJA, em que os educandos, por muitas vezes, vem em busca da escola que existe em seu imaginário de infância ou mesmo juventude, que por motivos vários, não pôde concluir (ou até mesmo, entrar)? Onde as atividades que fogem do “lugar comum” nem sempre são vistas como aulas? Que para muitos dos quais convivi e convivo, um quadro cheio de conteúdo é a representação de uma aula “bem dada”?

Estas indagações provocam-me a questionar o currículo e seus sentidos. A reprodução e o “conformismo” sócio cultural e econômico; a dissociação entre sujeitos e práticas; a (des)contextualização dos conhecimentos historicamente produzidos; as adequações e leituras lineares e fragmentadas das áreas dos conhecimentos; os conteúdos alienados e alienantes, enfim, as diversas formas de se constituir o currículo escolar, sem levar em conta a proposta de uma educação progressista e emancipadora, na perspectiva de uma educação popular. Educação popular vista como uma prática que entende o sujeito como construtor de sua própria aprendizagem, para além do campo da leitura e escrita. Uma aprendizagem que seja significativa e transformadora, visando a organização do trabalho político para sua afirmação e consciência cidadã e que busca na educação pública uma educação com qualidade social.

Porém, em pleno século XXI, falar em currículo ainda se torna uma calorosa e profícua discussão, visto que este é um campo de disputas e conflitos éticos e políticos inerentes a todo o contexto educativo, mas que não deve ser ignorado nem tampouco negligenciado. Provocar uma discussão acerca do currículo prescrito/proscrito para a EJA é entrar em embates ideológicos que calam fundo na função do educador, que traz em si as marcas de sua própria formação.

Na Educação de Jovens, Adultos e Idosos, assim como na educação escolar como um todo, este tema tem sido ponto de variadas reflexões e mesmo de estudos e propostas diferenciadas, considerando que são muitos os olhares sobre estes sujeitos e as suas especificidades, além das diversidades constituintes do campo próprio da EJA, relativas aos marcadores sociais das diferenças, tais como gênero, etnia/raça, territorialidade, geracional, socioeconômicos, entre outros.

Cabe-nos, neste contexto, avaliar o teor do que trabalhamos e construímos coletivamente com os nossos educandos, trazendo para a discussão o que se torna currículo em nossos fazeres diários. Não é possível pensar em um modelo ou receita para se fazer currículo que atenda às demandas desta modalidade de educação. Pensar desta forma é repetir os erros e equívocos dos programas e projetos aplicados, que a própria história já mostrou que foram ineficazes a quem se destinavam. Um tempo histórico bem próximo a muitas experiências de salas de aulas da EJA.

No entanto, o currículo não se restringe somente ao caráter didático ou explicitamente desenvolvido no contexto educativo. Tem se apresentado como uma proposta para além de conhecimentos básicos, pois ao romper fronteiras aproxima a escola da vida em sociedade e a coloca no embate com questões de relevância que devem estar presentes também na escola.

Diante do ideal de colaborar com a construção da sociedade, a escola e o currículo são obrigados a se indagar e tentar superar toda prática e toda cultura seletiva, excludente, segregadora e classificatória na organização do conhecimento, dos tempos e espaços, dos agrupamentos dos educandos e também na organização do convívio e do trabalho dos educadores e dos educandos. É preciso superar processos de avaliação sentenciadora que impossibilitam que adolescentes, jovens, adultos e idosos sejam respeitados em seu direito a um percurso contínuo de aprendizagem, socialização e desenvolvimento humano. E, para além do que se pensa, contribuir para que este sujeito busque sua emancipação e compreensão de si e do mundo. Com isto, a escola estará cumprindo realmente o seu papel.

*Pedagoga especialista em Educação de Jovens e Adultos e em Juventude no mundo contemporâneo. Coordenadora do Fórum Mineiro de EJA


Imagem de destaque: Antenna / Unsplash

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