É necessário ir além das “etiquetas” no ensino de ciências

Martha Marandino

O chamado movimento de renovação do ensino de ciências no Brasil, ocorrido entre os anos de 1950 e 1960, vem sendo amplamente estudado, evidenciando as instituições e atores, explicitando as motivações, os interesses de diferentes grupos sociais e de forças presentes naquele momento histórico. Os períodos posteriores também estão sendo analisados gerando dados que, infelizmente, nem sempre são usados para orientar políticas públicas educacionais.  

As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas pela ampliação do ensino de ciências no país com foco na alfabetização científica, fruto de investimentos públicos e privados. Em 1983, foi criado o Subprograma Educação para Ciência/SPEC, I do PADCT (programa federal lançado no final da ditadura, administrado pelo CNPq e apoio da CAPES e FINEP) retomando a necessidade de investir na melhoria do ensino de ciências, levando a formação de lideranças e de pesquisadores que fortaleceram a área e que lutam e produzem, até hoje, conhecimentos relevantes para o seu desenvolvimento, assim como análises críticas.

Em 1991, no meu mestrado, analisei as tendências do ensino de ciências presentes nas produções acadêmicas da área e identifiquei quatro delas. Destaco duas aqui: as abordagens com base nas relações entre ciência, tecnologia e sociedade/CTS e as abordagens sociais no ensino de ciências na escola como fator de transformação social. Na ocasião, essas tendências estavam separadas pelo fato de que a primeira se referia à um movimento internacional preocupado em problematizar a história, o uso e os impactos da C&T na sociedade e a segunda incluía essa preocupação mas entendia, influenciada pelas ideias de Paulo Freire, que ao problematizar a C&T era necessário buscar a transformação social. 

Atualmente, podemos afirmar que muitos autores trabalham na articulação dessas duas tendências no Brasil, no que hoje identificamos como movimento Ciência, Tecnologia, Sociedade, incluindo ou não o Ambiente – CTS ou CTSA. Trata-se do estudo e das práticas de ensino e divulgação das ciências voltadas a compreender e atuar de forma crítica, tomar decisões e reconhecer fatores políticos, sociais, econômicos, presentes na construção da ciência.

É interessante perceber que estas perspectivas críticas de compreensão do papel do ensino de ciências na sociedade continuam presentes. Contudo, constata-se que, na prática pedagógica formal e não formal, ainda pouco se caminhou nesse sentido. A demanda por promover a articulação entre a ciência e a sociedade continua presente na produção acadêmica e nas políticas públicas, ganhando, muitas vezes, novas etiquetas e roupagens.

No Brasil, o documento referente a Estratégia Nacional de CT&I/ENCTI para o período 2016-2022, tem a finalidade de servir de orientação estratégica de médio prazo para a implementação de políticas públicas na área de CT&I, bem como servir como subsídio à formulação de outras políticas de interesse. Segundo este documento, desde 2015 o Brasil adotou a Agenda de Desenvolvimento Sustentável Pós-2015 (Agenda 2030), com 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), os quais vêm sendo utilizados como referência para financiamentos públicos. 

Ao analisar os ODS, percebe-se claramente a indissociabilidade entre desenvolvimento sustentável e objetivos de educação de qualidade, redução das desigualdades e qualidade de vida digna. A ENCTI 2016-2020 também revela a intenção de que ocorra a geração de conhecimentos para o desenvolvimento sustentável e, para tal, propõe a adoção de planos de ações para a ampliação e consolidação nos campos científicos conhecidos como STEM (acrônimo inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática). Nossa compreensão é a de que nenhuma das metas previstas na estratégia poderão ser alcançadas sem pesquisas e ações voltadas ao campo das humanidades e, em especial, à educação.

O movimento STEM vem sendo discutido e pesquisado no mundo na área de ensino de ciências. Sua aplicação na prática educativa em muitos países gera debates envolvendo escolas, administradores, líderes empresariais, governos, formadores de professores, professores, estudantes, entre outros (BENZCE et al., 2018). Sua meta é incentivar a integração e as interrelações entre os campos da ciência, tecnologia, engenharia e matemática e formar quadros para atuação nessas áreas. 

Contudo, críticas ao STEM vêm se avolumando, indicando que embora as carreiras STEM possam ser caminhos para mobilidade social e prestígio individual, muitos jovens não se sentem atraídos por essas áreas. Para Habig et al. (2020), em lugares como os EUA, mulheres, membros de grupos historicamente marginalizados e grupos raciais e étnicos continuam sub-representados nessas disciplinas. 

Benzce et al. (2018) alertam que o STEM pode atuar como um “cavalo de tróia”: projeta imagens de prosperidade, bem-estar e status mas oculta perigos relacionados ao bem-estar de indivíduos, sociedades e ambientes. Mesmo considerando que os grupos envolvidos no STEM são variados, uma parte deles estaria apoiando o capitalismo neoliberal, envolvendo intervenções de governos e outras entidades em mercados econômicos e nas sociedades em geral para promover ganhos do setor privado e atingir relativamente poucos indivíduos e grupos ricos. Para os autores, o caminho para educação em ciência é educar os alunos de forma crítica e ativista, enfatizando as relações políticas e econômicas que envolvem o STEM e promovendo o engajamento. 

Diante do panorama atual de avanço de uma política de exclusão e de negação do papel do conhecimento científico no mundo e, em especial no Brasil, ainda há muito a se fazer nesse caminho. 

Para saber mais: 

BENCZE, L., REISS, M., SHARMA, A., WEINSTEIN, M. STEM education as ‘Trojan horse’: Deconstructed and reinvented for all. In:  BRYAN, L.; TOBIN, K. (Eds.), 13 questions: Reframing education’s conversation: Science. New York: Peter Lang, p. 69-87, 2018. 

HABIG, B., GUPTA, P., LEVINE, B. et al. An Informal Science Education Program’s Impact on STEM Major and STEM Career Outcomes. Res Sci Educ 50, 1051–1074, 2020.


Imagem de destaque: TeroVesalainen

 

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