Por Luciano Mendes de Faria Filho
No último dia 08, como parte das mobilizações contra o desmonte do Estado Brasileiro, pela democracia e pela volta do MCTI, os professores, alunos e funcionários da Faculdade de Educação da UFMG organizaram um conjunto de discussões nos três turnos de funcionamento da faculdade. No exato momento em que ocorria a reunião da comunidade acadêmica com o Ministro Interino e golpista do novo ministério criado pela con-fusão do MCTI com o Ministério das Comunicações, fazíamos uma discussão sobre a importância do Ministério da Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro para a qual me pediram algumas palavras para iniciar o debate. O texto que se segue é uma síntese da minha intervenção naquela ocasião.
Antes de entrar propriamente na discussão sobre a importância do MCTI, gostaria de chamar atenção para dois aspectos importantes: primeiro, é preciso reconhecer que parte significativa da comunidade científica se mobilizou muito tardiamente contra o golpe. E o faz impulsionada pelo sucesso da luta dos artistas, profissionais da cultura e ativistas culturais pela volta do MinC e, alguns, o fazem tão somente pelo fato de o MCTI ter sido extinto. Nesse sentido, não podemos achar que todo mundo que está envolvido nessa luta está comprometido como “fora Temer” e com a restauração da democracia e do Estado de Direito em nosso país.
Um mês antes da famigerada votação de 17 de abril, a SBPC, fazendo jus à sua longa tradição de lutas pela democracia publicou, no dia 08 de março, o manifesto Pelo estado de direito e pelo fortalecimento da democracia, com entendimento nacional e paz social, mas o fez em tom muito genérico e sem identificar claramente de que grupos sociais e partidos vinha a ameaça iminente à democracia. A esse respeito, é significativo que em 23 de março de 2016, quando o jornal Pensar a Educação em Pauta publicou uma Seção Especial com Manifestos em Defesa da Democracia, encontramos manifestos apenas de instituições das áreas de ciências humanas, sociais e sociais aplicadas. Pode ser que outros manifestos existiam, mas não os localizamos. Essa ausência de manifestos das outras áreas foi registrado no Editorial do jornal Pensar a Educação em Pauta do dia 01 de abril.
Em segundo lugar, defender a volta e a importância do MCTI não quer dizer que estejamos de acordo com o conjunto das políticas estabelecidas pelo órgão. Sobretudo nós das ciências humanas e sociais temos muito a discordar do que vem sendo feito como política de ciência e tecnologia no país. Apenas para um dos múltiplos exemplos possíveis, vejamos o caso do programa Ciências Sem Fronteiras. Ele foi estabelecido sem qualquer discussão com a comunidade acadêmica e excluiu as humanidades da internacionalização, num erro crasso de política estratégica de estado, como já dissemos . Mais importante ainda: contrariando o que foi anunciado inicialmente pela Presidente da República, quando afirmou que o programa seria custeado com recursos do Tesouro, ou seja, com dinheiro novo aportado ao sistema, o Ciências Sem Fronteiras passou a utilizar, crescentemente, recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico, o FNDCT, o que resultou, na prática, na retirada de enormes somas de recursos da FINEP e do CNPq, colocando em risco a capacidade desses órgãos de cumprirem suas missões mais relevantes e tradicionais.
Dito isso, é preciso reconhecer que a fundação do MCTI, em 1985, foi resultado de uma luta da comunidade científica que vinha desde a década de 1960. Sentia-se falta de um órgão que pudesse, com competência e eficiência, coordenar as distintas políticas e ações de ciência e tecnologia que vinham se avolumando no país e, sobretudo, que pudesse prospectar os melhores caminhos para que se pudesse organizar um sistema de C&T que fosse capaz de responder aos grandes desafios nacionais. Há que se reconhecer que, quanto mais avançamos na estrutura do sistema nacional de C&T, mais necessária e estratégica se torna a existência de um órgão articulador do mesmo.
A direção, coordenação e execução de uma política nacional a cargo do MCTI é, hoje, a única condição para que possamos, por um lado, vislumbrar a possibilidade de alcançarmos maior autonomia cientifica e tecnológica e, por outro, evitar que nossas desigualdades regionais aumentem vertiginosamente. A altíssima concentração de recursos em algumas poucas unidades da federação somente poderá ser diminuída e minimizada pela ação de um órgão de abrangência nacional como o MCTI. Para alcançarmos isso, é preciso que ele seja autônomo, que funcione a partir de conceitos e critérios acadêmico-científicos e que não esteja submetido às vicissitudes e barganhas políticas que, historicamente, marcam a ação do Ministério das Comunicações.
Mesmo para nós que discordamos de muitas das politicas desenvolvidas pelo MCTI, seja pela baixa importância que nossos colegas que lá estão imputam às ciências humanas e sociais, seja porque consideramos que o peso excessivo de algumas áreas acadêmicas na atuação do Ministério e de seus órgãos executores no que diz respeito, por exemplo, ao financiamento das pesquisas no conjunto do sistema, é fundamental a existência do Ministério. A existência do MCTI torna possível a existência de uma mobilização política e acadêmica para que nossas reivindicações sejam incorporadas como parte das políticas de ciência e tecnologia e estejam presentes nas ações dos órgãos executores da mesma. A não existência do Ministério tornaria essa luta não apenas opaca, mas a diluiria num sem número de lugares. E, convenhamos, essa opacidade e diluição só favoreceria aqueles que, hoje, estão no comando do sistema ou que venham a comandá-lo segundo as vicissitudes políticas de um governo golpista e descompromissado com as políticas de estado de desenvolvimento e com a diminuição das desigualdades econômicas e sociais.
Por isso, a única saída que resta aos cientistas, acadêmicos e intelectuais comprometidos com a ciência e a tecnologia no país e, acima de tudo, com a democracia e o Estado de Direito, é a atuação intensiva na luta desenvolvida pelos movimentos sociais, nos mais diversos cantos do país, pela saída do governo ilegítimo comandado por Temer. A saída do grupo golpista e a restauração democrática é a única forma de termos políticas públicas consequentes e é, por isso, uma condição para que seja necessário um MCTI para coordená-la no campo da ciência e da tecnologia.