Por Luciano Mendes de Faria Filho
Os acontecimentos que culminaram na famigerada votação do impedimento da Presidenta Dilma Rousseff naquele 17 de abril, deram lugar, também, a um governo não apenas golpista, mas inepto, corrupto e adepto da violação da Constituição como estratégia de governo. Tudo isso já estava anunciado nas ações que prepararam o golpe, mas poucos eram os que imaginavam o quanto destrutível seria um governo chefiado pelo vice-presidente.
De lá para cá, um número cada vez maior de atores passou a ocupar o espaço público em defesa da democracia e do Estado de Direito, advogando a saída do governo ilegítimo e o retorno da Presidenta. Não por acaso, também como era de se esperar, os antigos defensores dos bons costumes e combatentes da corrupção seletiva, sumiram das ruas estão instalados confortavelmente em suas casas, ou em gabinetes em Brasília, enquanto a República está em frangalhos.
Neste contexto, é muito difícil, quase impossível, estabelecer estratégias de luta e escolher aqueles aspectos imediatos ou de mais longo alcance que devem ser priorizados. Por mais que as diversas frentes em defesa da democracia e do Estado de Direito cumpram um papel fundamental no direcionamento das ações, o desgoverno do Temer é de tal forma avassalador em sua pressa e sanha em destruir as políticas públicas que quase nada fica intocável. O que significa dizer, também, que ele mexe com todo mundo e cada grupo passa a ter a sua causa particular a defender. Tal perspectiva não apenas é legítima, mas necessária, e dependerá da capacidade de articulação das frentes hoje existentes, ou que venham a ser formadas, de conferirem uma direção ao movimento que se avoluma. Isso é fundamental para que não percamos de vista certos objetivos comuns a todos, entre eles a defesa da democracia, do Estado de Direito e das Políticas Públicas.
No campo da Educação e da Cultura, entendidas em seu sentido mais amplo, o desgoverno tem sido profícuo na destruição e na pavimentação do caminho para o retrocesso. Numa lista que poderia ser interminável escolhi 10 episódios e ações que me parecem emblemáticas.
- Nomeação de um ministério composto apenas de homens e brancos. Não bastasse boa parte do ministério escolhido estar sob investigação por crimes variados, ao não ter encontrado dentre as fileiras dos partidos que apoiaram o golpe nenhuma mulher e nenhum(a) negro(a) para compor o ministério, o desgoverno Temer mostra sua cara reacionária e de desprezo pelas conquistas femininas e da população negra e da importância destes grupos na política brasileira.
- Extinção do Ministério da Cultura. Sob a justificativa de que se tratava de um Ministério de petistas e de homossexuais, o MinC foi anexado ao MEC. Felizmente, depois da luta dos artistas, profissionais e ativistas culturais, o MinC voltou à esplanada. Mas nada garante que, de fato, o Ministério vá funcionar na direção defendida pela comunidade que lutou pela sua volta.
- Extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e da Juventude. Símbolo máximo das políticas de afirmação e reconhecimento da diversidade, o ministério foi extinto e suas ações divididas por vários outros ministérios, inclusive para impedir uma ação articulada nas várias áreas afetas ao mesmo. Ações de reconhecimento e apoio às políticas de cotas, à pauta LGBT e aos direitos das mulheres foram profundamente atingidas para atender aos grupos religiosos e reacionários que apoiaram o golpe.
- Extinção do MCTI. Depois da reação da comunidade acadêmica contrária à sua ocupação por um pastor adepto do criacionismo, o ministério foi extinto e anexado ao Ministério das Comunicações sob argumento, primeiro, da economia financeira e, depois, da sua eficiência. A reação da comunidade científica não foi suficiente, ainda, para o seu retorno.
- Volta da equipe de FHC ao MEC. Nomeado, o Ministro da Educação, que nada entende de educação, foi buscar na equipe do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso as suas principais âncoras no ministério, entre ela a profa. Maria Helena Guimarães, que veio ocupar a Secretaria Executiva do Ministério. Certamente será dela, e não do Ministro, as linhas gerais de atuação do MEC.
- Extinção da SECADI. Principal órgão articulador das ações do MEC em relação às populações mais vulneráveis no campo da educação e da cultura, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão foi extinta atendendo, em boa parte, ao reclames dos grupos religiosos e reacionários, que viam nela um reduto dos negros, dos homossexuais e dos movimentos sociais quem o governo Temer deveria combater.
- Intervenção na EBC. Um dos primeiros atos do desgoverno foi intervir na Empresa Brasil de Comunicação, retirando o Presidente eleito legalmente e colocando em seu lugar um ex-funcionário da Globo e aliado de Eduardo Cunha. Felizmente, a justiça determinou o reestabelecimento da legalidade e a volta do Presidente demitido. Mas o desgoverno está muito empenhado, agora, não mais em assumir a direção da EBC, mas em sua pura e simples extinção.
- Audiência do Ministro da Educação a Alexandre Frota. Numa clara representação dos valores que nortearão as ações de sua pasta, o Ministro da Educação, em sua primeira audiência, recebeu o ator pornô Alexandre Frota. A audiência, de grande valor simbólico, indica o alinhamento do Ministro com a violência contra a mulher e com a cultura do estupro e, de quebra, com a proposta do movimento escola sem partido que o ator de dizia representante. Tal movimento defende, dentre outras coisas, que a escola pública não deve contrariar os valores e crenças das famílias, ainda que estas contrariem frontalmente os direitos humanos e a Constituição.
- Desvinculação dos Recursos da União. Não bastasse os cortes estabelecidos no orçamento da educação e da saúde, uma das primeiras propostas do desgoverno golpista foi a retomada da DRU, já aprovada na Câmara dos Deputados. Tal desvinculação retirará parte substantiva dos recursos das áreas de educação e saúde, afetando drasticamente o atendimento nessas áreas.
- Desvinculação Constitucional dos Recursos para a Educação e a Saúde. Talvez mais do que as demais, essa proposta tem o poder de destruir boa parte do que já existe de educação escolar organizada no pais, sobretudo aquela sob responsabilidade direta dos mais de 5500 municípios brasileiros. Ao desvincular os recursos para a educação e a saúde, por meio de uma Emenda à Constituição, essas áreas, que têm hoje percentuais obrigatórios determinados constitucionalmente, ficarão à mercê da boa vontade dos milhares de dirigentes estaduais e municipais espalhados pelo Brasil. Se com a determinação constitucional os recursos são insuficientes e nem sempre são aplicados corretamente, imaginem o que acontecerá se não houver obrigatoriedade.
Seriam essas as mais fundamentais? Não tenho a certeza, mas, de todo modo, elas já demonstram o grande desafio que teremos para reconstruir o país tão logo tenhamos conseguido conquistar a volta da normalidade democrática e pudermos parar de lutar contra o retrocesso e a favor do avanço nas políticas sociais.