Direitos Humanos em tempos de pandemia: a luta continua… na escola e fora dela

Luiz Carlo C B Rena

No último dia 10 de dezembro o mundo relembrou o septuagésimo segundo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os eventos virtuais se multiplicaram nas redes sociais, inúmeros artigos foram publicados na mídia convencional e diversos trabalhos analisando a situação dos Direitos Humanos no Brasil e no mundo nos foram oferecidos para mobilizar nossa reflexão. A Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet exige iniciativas de reconstrução sustentável e justa, e lembra: “a pandemia pode comprometer os direitos humanos, dando um pretexto para respostas de segurança severas e medidas repressivas que restringem o espaço cívico e a liberdade de imprensa.” Em relação ao Brasil a Alta Comissária denúncia: “A covid-19 teve um impacto devastador no Brasil”…, vimos um impacto desproporcional em grupos em situação vulnerável, como pessoas vivendo na pobreza, afrodescendentes, indígenas, LGBTI, pessoas privadas de sua liberdade e pessoas vivendo em locais informais”.

2020 chega aos seus últimos dias como o ano que ficará na memória como um tempo de angústia e perplexidade. Quando a OMS declarou (11/03/2020) como pandemia o surto do novo corona vírus não imaginávamos que essa crise sanitária seria também uma oportunidade de revelar ao mundo o quanto ainda precisamos lutar para tornar os Direitos Humanos uma realidade para todos e todas. Boaventura (2020) identifica uma pedagogia do vírus que nos ensina cinco lições. A primeira delas é que a humanidade não pode mais se omitir frente a crise profunda que está em curso: “A pandemia do coronavírus é uma manifestação entre muitas do modelo de sociedade que se começou a impor globalmente a partir do século XVII e que está hoje a chegar à sua etapa final. É este o modelo que está hoje a conduzir a humanidade a uma situação de catástrofe ecológica.”

A tragédia da Covid-19 evidenciou as profundas desigualdades sociais e, consequentemente, as escandalosas violações de direitos humanos no Brasil e no mundo. Os impactos da pandemia sobre os Direitos Humanos no Brasil estão apontados e analisados por um grupo qualificado de profissionais no último Relatório “Direitos Humanos no Brasil 2020” da Rede Social Justiça e Direitos Humanos. Em seus trinta e seis capítulos, que ocupam 318 páginas, o documento da RSJDH nos oferece um triste panorama da violações dos Direitos Humanos cometidas neste país, que desafortunadamente precisa atravessar este tempo sombrio da história sob um governo negacionista que elegeu a ciência como inimiga; que se nega a reconhecer o racismo; que naturaliza a violência e banaliza a morte de 183.972 cidadãos e cidadãs (17/12/2020).

O capítulo dedicado à Educação (pág. 206) Mariângela Graciano e Sérgio Haddad chamam a atenção para a falsa dicotomia entre saúde e economia que rivalizou com outra falsa oposição entre direito à educação e direito à saúde. O pleno direito à educação e à educação de qualidade para todos e todas, que vinha sendo conquistado com muita luta dos trabalhadores da educação e das comunidades sofre um abalo significativo com a migração das atividades escolares para os espaços virtuais que exclui a maioria das crianças e adolescentes brasileiros que estão entre os brasileiros em situação de pobreza extrema (55 milhões/PNAD-C 2017). É importante ressaltar também o desgaste emocional dos(as) trabalhadores(as) da educação com as exaustivas jornadas de teletrabalho e o esvaziamento da dimensão educativa da docência que se realiza pela via do afeto e da relação face-a-face interrompida pelo distanciamento sanitário.

Neste mesmo relatório Rubens Naves e Maria Lygia Quartim de Moraes no capítulo que trata do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA alertam para o aprofundamento da fome e da desnutrição: “O fechamento das escolas implica uma dupla perda: a descontinuidade do processo educacional e a falta da merenda, para muitas crianças a principal refeição do dia.” (pág 203)

Com as salas de aula fechadas, as famílias foram obrigadas a reorganizar seu cotidiano enfrentando inúmeras dificuldades para compatibilizar a agenda dos pais e o acompanhamento das atividades escolares dos filhos. Em muitas famílias os pais permaneceram trabalhando fora de casa e monitorando a distancia o que acontecia em casa.

Nos últimos dias assistimos à tentativa frustrada de transferência dos recursos do FUNDEB para as escolas privadas. Neste contexto adverso, que deverá se estender por 2021, com tantos desafios e possibilidades de relaxamento no cumprimento dos Direitos Humanos, caberá àqueles(as) engajados nas várias iniciativas de defesa da escola e da educação papel fundamental na denúncia das violações do direito à educação de qualidade, pública e universal.

O grupo de autores dessa editoria permanecerá cumprindo sua tarefa em 2021 problematizando os fatos, interrogando a realidade e aportando subsídios para uma leitura crítica dos Direitos Humanos na escola e nas práticas educativas que alcançam as comunidades.

SANTOS, Boaventura de Sousa, A Cruel Pedagogia do Vírus. Coimbra: Ed. Almedina, 2020


Imagem de destaque: Arquivo ONU – Crianças lendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), pouco após sua adoção.

 

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