Roger Waters entendeu e deu o recado durante seu show no Brasil: um representante da luta se foi, e fará muita falta, no bojo da violência da extrema direita, durante as eleições presidenciais brasileiras, em 2018.
Não só o Mestre de Capoeira Moa do Katendê, mas, para que tenhamos uma consciência e respeito aos mais diversos povos que estão no território brasileiro, devemos valorização aos que resistem e resgatam a cultura das negras e negros, cantoras e cantores, atores e atrizes, lideranças populares e artistas, de uma forma geral, que se recusam a perpetuar e fortalecer uma cultura chamada de legítima pelos que se denominam e se colocam como da elite.
Conhecemos aspectos da Revolução Russa, sabemos de detalhes da Revolução Francesa, entronizamos reformas e processos de mudança no território brasileiro sem ao menos saber quantas culturas foram subjugadas e corpos dilacerados para que pudéssemos chegar onde estamos. E não estamos bem, do ponto de vista social, vivemos genocídios cotidianos.
Por isso, precisamos conhecer nossas lutas, resistências e possíveis caminhos… devemos buscar novos heróis, a partir do estudo da nossa história. O livro “Escravidão: Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares”, de Laurentino Gomes e o livro “História da resistência indígena: 500 anos de luta” de Benedito Prezia, permitem entendermos quantas revoluções e resistências estão ocultas no currículo de nossas escolas, e ainda existem/resistem.
Os que pedem a substituição do Dia da Consciência Negra pelo da Consciência Humana desconhecem a luta dos povos tradicionais e ignoram o quanto há de subjugação viva nas relações sociais, ainda hoje, assemelhando-se ao período da escravidão. O dia Consciência Negra ainda incomoda, Mestre Moa do Katendê incomodava… por tudo que representava.
Os povos tradicionais, sejam eles de ascendência originária do continente africano, sejam originários do território brasileiro (pertencedores e pertencentes a eles) foram sufocados na nossa sociedade, bem como suas culturas. Podemos encontrá-los, sim, nas favelas, nas cozinhas, manuseando vassouras ou enxadas cuidando dos filhos dos brancos, pedindo dinheiro nas ruas… esse processo, historicamente, foi proposital, foi pensado.
O branqueamento da população brasileira foi uma política pública e as situações que vemos hoje (que chocam alguns, outros não) foram e continuam sendo ações do estado, controlados pelas elites da morte (alguém discorda?) e por uma classe média que se acha e se coloca como sendo da elite.
Se, numa escala de desenvolvimento, inserimos determinada etnia como sendo mais ou menos desenvolvida, cai por terra o discurso de que deva existir um dia da consciência humana, sendo ela branca, hetera, europeizada e estadunidense.
O conhecimento que foi obscurantizado nem mesmo foi usado a favor da cultura branca, dado que características territoriais, climáticas, propriedades curativas das plantas e tantos outros saberes foram ignorados.
Se nenhum português se veste mais como Pedro Álvarez Cabral, escreve mais como Pero Vaz de Caminha, poderíamos dizer que os portugueses são menos portugueses? O direito de usar roupas que representam a ascendência africana ou indígena deve ser defendido e dado a eles, povos negros e povos indígenas, o direito de escolherem vestir-se como seus ancestrais ou não. Este raciocínio se estende para as manifestações religiosas, em todos os âmbitos da sociedade, ou seja, manifestar-se de maneira plena e resgatar a ancestralidade que foi (e ainda é) criminalizada no território que chamamos de nosso.
Dessa forma, se pretendemos implantar o Dia da Consciência Humana, temos que garantir que as manifestações humanas se apresentem e se desenvolvam de maneira plena. Portanto, deixo alguns questionamentos a fim de buscarmos o Dia da Consciência Humana:
– Os territórios quilombolas e dos indígenas estão garantidos?
– O direito de haver terreiros religiosos nas praças, ou em qualquer lugar que queiram, estão garantidos?
– Podemos substituir os crucifixos por imagens de Exus nas casas de lei?
– Podemos organizar os cerimoniais oficiais com uma mística indígena ou condizente com a cultura negra?
– Já é possível substituir nos convites de festas oficiais o termo “esporte fino” por “batas coloridas” ou “vestimenta tradicional indígena”?
– Os indivíduos da área urbana possuem formação moral e intelectual para conviver cotidianamente, de maneira plena e igualitária, junto às distintas manifestações culturais?
– Os interesses da agropecuária, construção civil e especulação imobiliária possuem a mesma força do que os interesses dos descendentes de escravizados, dos indígenas e descendentes de indígenas?
– Os heróis brancos (geralmente, congratulados por terem protagonismo na ocupação ou conquista de terras e subjugação de culturas) podem ser substituídos ou ter igual peso do que os heróis negros, indígenas ou dos que lutaram por interesses populares (como Carolina Maria de Jesus, Dandara e Zumbi dos Palmares, Chico Mendes, reconhecimento de que Nilo Peçanha era negro, Ernesto Carneiro Ribeiro – professor de Rui Barbosa –, Francisco José do Nascimento – Chico da Matilde, que foi um dos responsáveis por libertar os escravos da província do Ceará, anos antes da Lei Áurea –, Mãe Menininha do Gantois, Marçal de Souza – guerreiro pelo direito dos indígenas –, e tantas outras e outros).
– As placas oficiais com os nomes de “quem mandou construir” as maiores obras dos centros urbanos (políticos, engenheiros e arquitetos) já podem ser substituídas pelos nomes dos nordestinos, nordestinas (que contribuíram diretamente, de maneira braçal também, ou segurando as necessidades familiares e a orfandade dos filhos), negras e negros e até mesmo de indígenas?
– Os trabalhadores e trabalhadoras mais pobres (no Brasil, predominantemente negros) já podem ocupar as construções que realizaram, ou os templos, escolas, prédios públicos (muitos ornamentados sob o sangue de escravizados) e demais arranha céus ou estamos institucionalizando novas formas de escravidão, onde vemos, atualmente, negras e negros servindo brancas e brancos (imagem que podemos encontrar, também, nas pinturas feitas na época da escravidão… que, convenhamos, prolonga-se ainda hoje).
– É plausível brancos inaugurarem obras construídas por negras e negros, colocarem placas com seus nomes e suas fotos?
– Temos toda infraestrutura social que garanta a saúde das crianças e o tempo necessário de cuidado destas, enquanto os povos indígenas e negros trabalham cuidando das casas, dos negócios, das atividades braçais das empresas dos brancos e até mesmo das filhas e filhos deles (dos brancos)?
– O currículo escolar já está modificado para que todos os saberes sejam contemplados ou ainda temos a pachorra de valorizar, de maneira predominante (ou, até mesmo única), conhecimentos e formas de organização euro-estadunidenses?
Se todos os itens acima estão sendo cumpridos, ok, já podemos marcar no nosso calendário o Dia da Consciência Humana.
Mas, diante das reflexões, para que haja o dia da Consciência Humana, precisaremos de uma intensidade e amplitude muito maior do Dia da Consciência Negra e do Dia Internacional dos Povos Indígenas.
Imagem de destaque: Fernando Frazão/Agência Brasil
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