Dez anos da Lei de cotas –  o que a EJA  tem a ver com isso?

Maria Marlete de Souza

A Lei 12.711 de 2012, conhecida como a Lei de Cotas, completa uma década em 2022 e uma análise de todo esse percurso até aqui se torna necessária. As cotas foram criadas para reparar as desigualdades sociais e raciais no Brasil e  desde sua criação, seu objetivo é abrir espaços em instituições federais de ensino superior para a população de baixa renda, negros, indígenas, egressos do ensino público e pessoas com deficiência. Após estes dez anos, em meio ao processo de democratização do acesso à universidade pública, ainda encontramos representantes de todas as classes sociais que discordam da necessidade de políticas públicas de Ações Afirmativas, incluindo as cotas raciais. As críticas de que a qualidade do ensino nas universidades iria cair com a implementação das cotas não se justificam, pois de acordo com estudos realizados, não houve grandes diferenças entre o desempenho dos estudantes cotistas e não cotistas nas instituições que adotaram o sistema de cotas. Por um lado, as pessoas que têm direito às vagas pelas cotas não estão “tirando” a vaga de ninguém. Por outro,  é preciso, cada vez mais, atuar no combate às fraudes por parte daqueles que não abrem mão dos privilégios que sempre tiveram e  querem levar vantagens se passando por alunos cotistas. A realidade é que de 2012 a 2022, milhares de pessoas que fazem parte de grupos considerados desfavorecidos, tiveram acesso à educação de qualidade nos institutos e universidades públicas brasileiras, mudando completamente o perfil dos discentes nessas instituições, nas quais ricos e brancos  sempre tiveram  condições sociais favoráveis de ocupação dos espaços de privilégio, incluindo a educação.

Em levantamentos realizados recentemente, o número de estudantes pretos e pardos nas universidades públicas brasileiras superou o de brancos, ultrapassando 50% dos matriculados. A realidade que se tem hoje é que o perfil dos sujeitos que adentram os espaços universitários, incluindo o  Campus da UFMG, não é mais o mesmo. Negros e negras adentram esse espaço não somente para realizar serviços de limpeza, conservação e atendimento. São discentes que orgulhosamente estampam camisas com o nome do curso escolhido e com sentimento de pertencimento deste espaço que sempre foi deles, mas negado pelo racismo estrutural que os impedia de ter acesso a uma educação gratuita e de qualidade.

Outro fato importante a ser observado é o impacto que a presença desses estudantes gera no contexto educacional, provocado pela diversidade racial e social no âmbito da universidade. Em longo prazo, as mudanças, frutos das políticas de afirmação de direitos,  irão representar uma grande diferença na vida da população negra, pois uma vez que um membro de uma  família ou comunidade tem acesso ao ensino superior, outros integrantes desse meio também poderão ter e, assim, transformar ainda mais o cenário que temos no momento. As estruturas sociais vão se movendo pelo acesso à educação, possibilitando aos filhos das famílias menos favorecidas acessar o ensino superior e mudar a realidade  como os primeiros da família a frequentarem a universidade. Esse movimento possibilita a conquista de outros tantos direitos tais como emprego, moradia e melhores condições de vida.

Mas o que a EJA tem a ver com a Lei de Cotas? É importante destacar aqui que o sujeito da Educação de Jovens e Adultos não é mais aquele que volta ou procura  a escola somente na fase da idade adulta ou idosa para aprender a ler e escrever. A partir dos 15 anos, os jovens já frequentam essa modalidade de ensino  e muitos deles, assim como os adultos e idosos, almejam frequentar um curso na universidade. Ao analisarmos a inter-relação entre a modalidade da EJA e a política de cotas no Brasil, a resposta é: sim, a EJA tem tudo a ver com a Lei de Cotas. A maioria dos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos pertence à classe social desfavorecida, é negra, estudou em escola pública e não teve acesso ao ensino básico no tempo adequado. A política de cotas e a EJA representam a desigualdade social e racial que reverbera até os dias atuais na sociedade brasileira.

Em vias de uma reforma após os dez anos da implantação da Lei de Cotas, é perceptível o avanço do acesso à educação no ensino superior e por isso, há necessidade de se pensar no enfrentamento às políticas de negação à democratização da educação, ampliar o direito à educação de qualidade desde o ensino infantil até o ensino superior e dar condições de permanência aos estudantes de baixa renda, em especial, ao público considerado trabalhador estudante que trabalha durante todo o dia e somente à noite tem acesso à escola.

Sobre a autora 
Mestra em Educação (PROMESTRE/FaE/UFMG), Especialista em Gestão das Instituições Federais de Educação Superior (FaE/UFMG).


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