Desprofissionalização da gestão da educação: quem ganha com isso?
Desde o século XVIII, pelo menos, a escola é investida de um grande poder político. Seja para fazer a revolução, seja para evitá-la, a escola vem sendo mobilizada pelos Estados Nacionais como uma importante estratégia de governo da população e de formação política dos cidadãos nos mais diversos regimes políticos conhecidos na modernidade.
Se, por um lado, este investimento político foi uma das justificativas fundamentais para a expansão da escolarização e para a organização dos modernos sistemas escolares, por outro lado expõe a escola, continuamente, aos interesses dos grupos políticos que assumem as funções de governo do Estado. Disso resulta, não por acaso, uma contínua remodelação da escola não apenas para torná-la contemporânea do seu tempo, mas também para que operacionalize as perspectivas políticas do(s) grupo(s) que ascende(m) ao poder.
Apesar de não ser esse um problema que afeta apenas o sistema educativo escolar, mas o conjunto da ação do Estado, é na educação que ele se revela com toda a sua força, seja pela função precípua da escola relativa à formação das novas gerações, seja pelo montante de recursos humanos e financeiros que ela mobiliza.
Buscando relativizar o impacto das alternâncias dos grupos no poder e dotar o Estado de capacidade de governo e, ao mesmo tempo, fazer frente à crescente complexificação dos serviços públicos sob a responsabilidade estatal, uma das mais importantes estratégias foi a constituição de uma burocracia especializada, que passa a se ocupar da elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas. Seria este corpo profissionalizado de funcionários o responsável pela continuidade das políticas públicas diante da necessária alternância dos governos nos regimes democráticos.
Essa breve caracterização nos permite aquilatar o impacto profundamente negativo da inexistência de uma burocracia especializada e profissionalizada em áreas de grande complexidade e cujos efeitos dependem da continuidade das ações, como é o caso da educação escolar. Na ausência dessa estrutura, grassa a incompetência e a descontinuidade das ações.
No entanto, no Brasil, apesar de todos sabermos da complexidade que é gerir o mais complexo serviço público sob a responsabilidade do Estado, a educação escolar, e de termos consciência de que a continuidade das ações é fundamental para evitar o desperdício de recursos financeiros e garantir a qualidade da escola, pouco se fez e se faz para profissionalizar a gestão de nossos sistemas educacionais.
No conjunto da gestão de nosso sistema educacional, o mais comum continua sendo a substituição da quase totalidade das equipes gestoras da educação nos momentos imediatamente após as eleições. Assim, seja no âmbito dos mais de 5.570 municípios, dos estados ou, mesmo, da federação, o mais comum é que a gestão seja feita de forma amadora e por pessoas alheias à carreira do serviço público da educação.
Apesar da imperiosa necessidade da profissionalização, reconhecida por quase todo mundo, muito pouco se avançou em direção a isso. Aos grupos políticos interessa manter a enorme quantidade de cargos da gestão da educação alheia aos concursos e à sua ocupação por profissionais de carreira, pois assim podem dispor destes postos como moeda na barganha partidária e, do mesmo modo, podem, com mais facilidade, buscar reformar a escola a partir de suas específicas ideologias políticas.
Disso resulta uma enorme descontinuidade das políticas educacionais, a excessiva mobilização política da escola, o desperdício de recursos financeiros e um alto impacto negativo na educação pública oferecida à população. Mas também não podemos desconsiderar o impacto desse tipo de gestão sobre os próprios profissionais da escola, uma vez que estes se veem mobilizados, a cada momento, para operacionalizar projetos educacionais sobre os quais não opinaram.
É muito comum que os governos que ascendem ao poder defendam a necessidade de reformar a escola, sobretudo aquela que é frequentada pelos filhos dos outros, já que os filhos de boa parte desses administradores do público não frequentam a escola pública. Menor ímpeto têm, no entanto, de dotar o Estado (seja no nível municipal, estadual ou federal), de estruturas de governo que não estejam tão sujeitas às ingerências dos governos de plantão. Será que isso nos revela quem ganha com a desprofissionalização da gestão da educação?
Num momento em que falamos continuamente na necessidade de valorizar a profissão docente e dotar os professores de uma carreira digna, não menos importante seria atentar também para a necessidade de uma maior profissionalização dos gestores do sistema de ensino. Dessa forma, poderíamos garantir a elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas de educação menos dependentes de agentes externos aos sistemas educacionais que pretendem gerir e aos quais, não raramente, desconhecem completamente.