Deseducando em Direitos Humanos: breves reflexões sobre o tempo presente

Ruan Debian
Douglas Tomácio

Há algum tempo, Freire (2007), Brandão (2007), Libânio (2012), dentre tantos outros e outras expoentes, dão-nos compreensões acerca de um educar que extrapola o ambiente escolar e/ou as estruturas rígidas da educação formal. Mais amplo, faz-se onde há o outro, na relação, no viver em sociedade de tantas faces, anseios e contradições.

Sim, educar é construção que transita pelas cidades nas mais variadas formas que podem elas adotar, diz da dinamicidade que ecoam e constituem “(…) através de suas múltiplas atividades, em contextos educativos em si mesmas.” (FREIRE, 2007, p.19). Como tal, formam e desformam os sujeitos que, concomitantemente, dão vida, sentido e significado para elas. Fazemo-nos sujeitos e tal constituição se dá no todo que nos envolve, no bojo das relações sociais que estabelecemos, nos contextos diários que nos atravessam.

Disso cientes, parece-nos oportuno voltarmo-nos à realidade brasileira hodierna pós-pleito presidencial; em um tempo presente ainda cheio de nervuras latentes e que tanto impactam as nossas miradas.

Tomados por esse contexto e tendo em vista a discussão sobre o educar que se faz também nos cotidianos das ruas, deparamo-nos com sujeitos históricos que, fazendo-se endereçar inclusive a possíveis alienígenas interessados, manifestam um educar preocupante: o fascismo como norma, o domínio como meta.

Pais, mães, líderes religiosos, e uma infinidade de opositores do jogo democrático, diuturnamente ocupam as ruas sob narrativas tresloucadas e amplamente difundidas na ilógica bolha que os fundamenta e que intentam amplamente difundir inclusive às crianças que, sem reservas, levam aos tais atos de patrióticos de “antidemocracia alienígena”.

Notem, o que elas estão aprendendo? Sem muitas reservas, poderíamos dizer: que as instituições que estruturam tanto as cidades quanto o país e, de alguma forma, garantem a democracia, não devem ser respeitadas. Que impactos colheremos dessa ceara? Que consequências teremos, inclusive num futuro próximo, quanto a essas crianças que bebendo estão da água suja e fétida de uma ideologia de direita extremada?

Serão elas os adultos de bem? Aqueles ávidos por manter sua existência dita superior por meio da histórica supressão dos outros que “ameaçam” o plano divinal da sagrada família branca, cisheteronormativa, calcada nas posses que pelo “mérito” vieram? Serão eles a dizer do “medo” do perigo vermelho, das pessoas cotistas que adentram a universidade “sem merecer”, daquelas do mesmo sexo que se amam e deturpam os sentidos de família, em intelectualidade inferior? Que haja, pois, o golpe. Ou melhor, “a intervenção militar/federal”. Parece que (des)educamos aos moldes neonazistas nestas terras tupiniquins. E será trabalho hercúleo, sob danos que sentimos já hoje, educar em defesa da paz, da igualdade, da dignidade e do direito como elementos inalienáveis de todos.

Na atualidade, o trágico dá o tom. No processo de endeusamento do período da Ditadura Militar, inúmeros são os que compõem extremados grupos à direita. Fortalecendo-os, clamam pela volta de um regime intensamente marcado pela violação dos direitos humanos e pela democracia como uma ideia distante e subversiva, digna de morte.

Com tal ascensão da extrema direita, não é de se espantar que neonazistas estejam intensificando suas ações e se sentindo livres para cometer atrocidades variadas. Em uma escalada de horror e educando para o ódio nas ruas, têm em comum aquela que dizem ser a grande batalha: a luta contra o comunismo.

O anticomunismo brasileiro possui uma mórbida tradição de mais de 100 anos. Exercendo influência em momentos históricos importantes neste país, foi usado como desculpa para golpes que resultaram em tempos ditatoriais, como a Ditadura do Estado-Novo (1937) e a Ditadura Militar (1964).

Também naqueles tempos, não nos esqueçamos, não faltaram os ditos manifestantes que em prol da ordem se colocavam, aqueles que defendiam a família, seus costumes e valores. Sujeitos, devidamente usados, trajados nas cores da bandeira pelas cidades a fora, alimentavam um ufanismo capaz de enaltecer torturadores. Estes, já heróis nacionais, sem reservas, usaram as mesmas puras e defendidas crianças como objeto de tortura. Mas diziam: era para combater o comunismo.

Hoje, nas faces do pavoroso que forma tem de caminhão, de alienígena, de culto, de morte sacerdotal, de árvore centenária derrubada etc, vemos os ditos manifestantes a deseducarem seus filhos nas ruas, reeditando o louvor a Ustra; com quem intenta salvar o Brasil em melodia facínora. Mas não faz mal, ao menos não a eles. O entoar da morte não acomete “os cidadãos de bem”. A cidade deles ensina morte.

O fantasma (encarnado em cenas de circo sem graça) continua a sobrevoar. Comunismo… ora, Lula, que tem Geraldo Alckmin sendo seu vice, comunista? Cômico seria se não fosse trágico.

Mais uma vez, gerações mantidas numa tradição antidemocrática, anticomunista, que acreditam que Direitos Humanos não prestam, estão sendo formadas pelas ruas. Mas como contrapor a nefasta ascensão? Ocupando as cidades!

Que as praças sejam palcos abertos para realização das mais variadas formas artísticas democráticas, que as ruas recebam nossos poros em lutas dignas que sabem-se fazer coletividade! Que organizações, escolas (junto à comunidade escolar como um todo) e voluntários componham harmonia de combate ao horror! Que a educação emancipadora ocupe os bairros, os asfaltos e becos, que tome os espaços formais escolares, mas que a eles não se restrinja. Que pintemos em cores de vida válida o horizonte que ansiamos habitar, até que seja ele nosso espaço de estadia efetiva.

Enfim, que emancipemos! E que compreendemos ser emancipação a liberdade antirracista, antifascista, feminista, que preze pela vida e acredita que exista, sim, condições de existência numa organização socioeconômica em que suas cidades sejam estruturadas na plena e verdadeira democracia.

Sobre os autores
Ruan é educador popular, graduando em pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), militante do coletivo Juntos e membro do CDDH de Betim.

Douglas é historiador, Pedagogo. Professor do Departamento de Educação e Ciências Humanas da Universidade do Estado de Minas Gerais – DECH/UEMG-Ibirité. Professor do Instituto DH – Pesquisa, Promoção e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania.

Para saber mais
BRANDÃO, Carlos R. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2012.

FREIRE, Paulo. Política e Educação. Indaiatuba, SP: Villa das Letras, 2007.

LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e Pedagogos: para quê?. São Paulo: Cortez, 2002.


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