A circulação de informações e contrainformações anda em ritmo tão vertiginoso, que não há tempo de discutir com cuidado cada um dos disparates que se escuta diuturnamente. O que tem dado para fazer é reagir. Há nisso, no entanto, uma armadilha, que é ficar mobilizado por uma agenda que, ao ser tão sufocante quanto bizarra, impede de avançar. Não se pode passar o dia desmentindo que a terra é plana, que havia uma estratégia para gerar focos guerrilheiros no País, que não houve ditatura por aqui. Com frequência na vida social e política, um argumento absurdo ou francamente equivocado é tão difícil de rebater quanto um bem construído.
Talvez seja o caso, no entanto, de aproveitar a presença desses sintomas, que são as bobagens disparadas a cada momento, para pensar em tópicos para outra agenda. Tomo como exemplo a relação de nosso mandatário maior com a ciência, em especial com aquela que se expressa sob o guarda-chuva das Humanidades.
Há alguns meses o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, se manifestou em relação às áreas de conhecimento Filosofia e Sociologia, caracterizando-as não exatamente como dispendiosas – o que de fato não são – mas como inúteis, mencionando que os investimentos trariam pouco retorno para os trabalhadores que pagam impostos. Poucos dias depois, o Ministro de Estado da Educação, Abraham Weintraub, defendeu o corte de apoio a projetos de Ciências Humanas e Filosofia, dado o baixo impacto que o conjunto dos trabalhos publicados nessas áreas alcançaria, segundo os indicadores internacionais.
Antes disso, o mandatário maior afirmara que as pesquisas científicas no Brasil eram poucas e que as instituições privadas seriam responsáveis por elas. A afirmação é tão equivocada quanto dizer que neva na cidade de Salvador, na Bahia.Em dias mais recentes, o problema foi com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), desautorizado em seu trabalho de monitoramento das queimadas na Amazônia. Neste último caso, a dura resposta do diretor do Instituto, Ricardo Galvão, custou-lhe a cabeça. Segundo ele, a ciência fora desrespeitada pelo Presidente. Ele tinha razão.
As posições do chefe do executivo e do ministro são injustificáveis e indefensáveis, expressando, no entanto, uma posição que não se limita a eles. Não são poucos os que pensam da mesma forma, mesmo no interior da Universidade. Os pesquisadores de Humanidades têm alguma responsabilidade nisso.
Não seria ruim discutir os lugares que as Humanidades ocupam ou podem ocupar na Universidade, mas também na sociedade brasileira. Esse debate precisa sair do próprio quintal, de maneira que alcance novos interlocutores e ouvintes. Sem a interlocução extramuros, seguiremos conversando entre nós, que já sabemos (ou supomos saber) da importância das Ciências Humanas e da Filosofia. Pensando bem, seria bom perguntar se de fato sabemos, mas isso deixo para outra ocasião.
Nos próximos parágrafos pretendo problematizar alguns pontos que me parecem centrais para esta discussão, inspirado nas assertivas do Presidente e de seu Ministro. Mas busco também, especialmente, sair do plano das queixas e me aproximar do que podem ser os problemas que enfrentamos.
Relembro que, segundo Bolsonaro, a Sociologia e a Filosofia “não dão retorno”. O problema tem várias faces. Uma delas é que para fazer a afirmação, é preciso ter ou ao menos representar o apoio a uma visão tecnológica da vida, que equipara progresso tecnológico a desenvolvimento humano. É evidente que precisamos de melhorias tecnológicas para um cotidiano com menos sacrifício do corpo e dos nervos, com menos doenças e renovadas possibilidades curativas. Mas isso não significa que a vida se esgote aí. Além do mais, o avanço, realizado na moldura da sociedade capitalista, será mercantilizado e, como tal, ao alcance de alguns para o lucro de poucos. Se o conhecimento só pode ser desenvolvido considerando tudo o que foi antes produzido, e se ele se dá principalmente nas instituições públicas – ao contrário do que diz o Presidente –, então uma das perversidades mais agudas que vivemos é a privatização do saber, ele mesmo erigido já na forma de mercadoria.
Se não é só do humano como vivente e seu entorno biológico, físico e químico que trata a ciência, o que significa termos pesquisa em Humanidades? Sociologia para conhecer a sociedade. Filosofia porque é um investimento do conceito e da reflexão na condição humana. Em favor do que somos os conhecimentos dessas áreas não podem ser desprezados, tampouco ter função ornamental.
Um dos primeiros problemas que enfrentamos é dentro de casa, no diálogo com pares de áreas “duras”. Há muitos anos, quando fui fazer doutorado na Alemanha, conheci um doutorando brasileiro que fora para lá para estágio sanduíche. Oriundo do que chamamos de grande área Ciências da Vida, comentava comigo sobre seu trabalho e perguntava do meu, quando disparou o que lhe parecia o resultado da comparação entre os dois projetos: ele deveria fazer uma longa revisão de literatura e logo o experimento, com a correspondente análise e conclusões; o trabalho que eu desenvolvia a época, segundo me disse, correspondia apenas à primeira parte do dele. Não foi sem algum esforço que expliquei que uma pesquisa teórica em Humanidades não era uma revisão, mas o trato metódico de uma constelação conceitual e suas consequências. Há um profundo desconhecimento de como se faz pesquisa em Humanidades, seja ela teórica ou empírica (há igualmente um desconhecimento de como se faz pesquisa em Ciências da Natureza e Tecnologia, mas isso é outro assunto).
Mas há problemas também fora da Universidade. Temos dificuldades de dizer para a sociedade sobre o que fazemos. Escrever em jornais e em outros meios que são lidos por nós mesmos é bom, mas insuficiente para resolver a questão.
O que fazer?
Imagem de destaque: Vanessa Macedo
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