Desafios para a gestão democrática da educação
Otavio Henrique Ferreira da Silva
Construir gestão democrática exige ir muito mais além do que uma simples participação de pessoas da comunidade na reunião do conselho escolar. Escola e comunidade democráticas devem garantir para que todos os sujeitos e suas diferenças sociais e culturais tenham voz e estejam representadas nestes ambientes.
Os estudos sobre a gestão democrática, apesar de apontarem a importância desta para toda a educação, estão ainda concentrados no ensino fundamental e médio. Pouco se tem pensando sobre a gestão democrática na educação infantil, talvez muito por conta do recente reconhecimento desta modalidade como primeira etapa da educação básica, (1988) e obrigatória enquanto pré-escola (2013), ou, provavelmente, por talvez ser conflituoso discutir a inclusão da participação das crianças pequenas na gestão da educação.
Ao longo de um percurso exploratório, foram destacados quatro pontos que consideramos como principais desafios para melhorar a participação da comunidade escolar nas políticas educacionais e para que a radicalização da democracia, ou seja, uma cultural democrática como um princípio norteador da gestão democrática.
O primeiro desafio seria implantar as pedagogias participativas. E por que são desafiadoras? Simplesmente porque formam a pedagogia da gestão democrática. A construção de uma comunidade democrática vai muito além de uma ou outra prática democrática. Para Makarenko (1977), este desafio não consiste somente em conscientizar as pessoas, mas a raiz da ideologia democrática deve estar na cultura da comunidade.
O ambiente escolar deve estimular e conceder oportunidades para que todos participem da construção da escola, a começar pelos alunos, pois, a “escola precisa formar o cidadão, mas não apenas para ele entrar no sistema, mas para mudar. Para isso, ela não só precisa ensinar, mas aprender a ser democrática, juntamente com a população” (GADOTTI, 2006). A pedagogia participativa precisa ser a fonte de energia do trabalho docente e pedagógico da instituição, de modo com que práticas autoritárias já não mais se façam presentes. É necessário que autonomia e participação sejam princípios pedagógicos da escola.
Ainda que não tenha forças suficientes para transformar a sociedade, a escola pode contribuir para a mudança, assumindo a posição de propulsora da democracia. Estimular as famílias a participarem da gestão educacional, acompanharem os filhos no cotidiano escolar e incentiva-las a levarem a pedagogia participativa para o convívio familiar das crianças, torna-se fundamental para a construção de uma comunidade democrática e para o fortalecimento dessa pedagogia. As crianças precisam, também, de aprender a tomar decisões, pois ninguém aprende a fazer escolhas se sempre existirem pessoas que façam isso por nós. Aprendemos a decidir tomando decisões.
O segundo desafio abrange a inclusão dos alunos da educação básica como sujeitos participantes dos conselhos escolares e equivalentes. Para se construir a gestão democrática, é preciso envolver a participação dos estudantes no controle social, deve-se começar incluindo os alunos desde a educação infantil na gestão da educação. As estruturas dos espaços de controle social estão excluindo as crianças, sobretudo os estudantes da educação infantil. No município de Betim, importante cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, o estatuto dos conselhos escolares da educação infantil não menciona a participação das crianças em sua íntegra e diz que a comunidade será representada por representantes eleitos pelos seus pares dos seguimentos de: profissionais do centro infantil; pais; sociedade civil organizada; e diretor do centro infantil.
Diferentemente, no ensino fundamental, onde existem alunos cuja faixa etária está entre seis e quatorze anos, no conselho escolar, de um modo geral, os estudantes mais velhos atuam como representantes (a partir dos doze anos) também dos mais novos. Isso já é polêmico, pois como afirma Sarmento et al (2007), “[…] a forma como a ordem social dos adultos interpreta esta possibilidade é redutora das competências dos mais novos neste âmbito.”.
Entretanto, aos alunos de 0 a 6 anos incompletos, os da educação infantil, está sendo negado o direito de participação nos conselhos escolares e pouco se tem pensado sobre como estas crianças podem se apropriar da gestão da políticas educacionais. Um recente exemplo, o da EMEI Dona Leopoldina localizada na região oeste de São Paulo, mostra que é possível incluir as crianças da educação infantil na gestão da educação. Esta escola criou o Conselho de Criança, onde os alunos tomam decisões e estas são acatadas pela direção da escola. Uma das primeiras reivindicações foi terminar com o horário de sono após o almoço.
O terceiro desafio toca na questão da participação social, aquilo que Gadotti (2014) aponta como sendo espaços do controle social. Estes espaços precisam se apropriar da participação popular de modo a se transformar naquilo que Hall (2006) denomina de dispositivo discursivo e Bakhtin (1997) de signo ideológico, ou seja, os mecanismos que funcionam por representação necessitam representar as diferenças culturais e sociais no caso dos conselhos escolares, dos sujeitos das comunidades escolares e no caso do conselho municipal e das conferências, da população do município.
E o quarto desafio refere-se à implementação do Plano Nacional de Educação – PNE. As políticas públicas que forem postas em prática a partir do PNE são fundamentais para que a sociedade brasileira tenha uma educação de qualidade e democrática, por isso é fundamental o cumprimento de todas as metas previstas no plano. É imprescindível pensar no conjunto de metas do PNE. E no que tange a gestão democrática, o cumprimento das metas 19 e 20 são essenciais para que se estabeleça uma ampla participação da sociedade na educação. Os três desafios que foram colocados anteriormente dependem muito destas duas metas.
A meta 19 trata de assegurar as condições necessárias para a efetivação da gestão democrática com participação da comunidade escolar e contando com recursos e apoio técnico da União. De certa forma, ela contempla a melhoria das estruturas dos espaços de participação social e fomenta a participação popular tendo como estratégias: incentivar a elaboração de legislação para a gestão democrática nas escolas, com participação da comunidade na escolha da direção; a formação de conselheiros; criar fóruns permanentes de educação; estimular a constituição e o fortalecimento de grêmios estudantis e associação de pais garantindo estrutura e condições para o funcionamento; constituir e fortalecer os conselhos escolares e municipais assegurando funcionamento autônomo; ampliar a participação dos sujeitos da comunidade na formulação dos projetos políticos pedagógicos (na LDB previa somente os profissionais); favorecer processos de autonomia pedagógica, administrativa e financeira; e desenvolver a formação dos diretores e gestores escolares.
Todavia, para a execução da meta 19 e melhoria da qualidade da educação são necessários recursos financeiros. Sendo assim, conforme estabelecido na meta 20, é preciso “ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de sete por cento do Produto Interno Bruto (PIB) do país no quinto ano de vigência desta lei e […] dez por cento do PIB ao final do decênio.”. (BRASIL, 2014). Para Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, “Financiamento adequado e boa gestão educacional, sinônimo de gestão democrática, são imprescindíveis e interdependentes para a materialização de boas políticas públicas de educação.”.
Saiba mais em:
MAKARENKO, Anton. La colectividad y la educación de la personalidad. Castul Pérez (trad). Moscou: Progreso, 1977, cap. 1, p. 22, 312 pp.
GADOTTI, Moacir. Pedagogias Participativas e qualidade social da educação. In: Anais do Seminário Internacional Gestão Democrática da Educação e Pedagogias Participativas. Brasília: MEC, 2006, p. 171, 228 pp.
SARMENTO, Manuel J.; FERNANDES, Natália; CATARINA, Tomás. Políticas públicas e participação infantil. 2007. Disponível em:< http://www.fpce.up.pt/ciie/revistaesc>. Acesso em 25/07/2015.
GADOTTI, Moacir. Gestão democrática com participação popular: no planejamento e na organização da educação nacional. 2014. Disponível em: <http://conae2014.mec.gov.br/images/pdf/artigogadotti_final.pdf>. Acesso em 22/07/2015.
HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. SILVA, Tomáz Tadeu da; Louro, Guaciara Lopes. (trad). 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006, 102 pp.
CARA, Daniel (2009). Entrevista sobre Financiamento e gestão – impasses e perspectivas: Daniel Cara, Horário Francisco dos Reis Filho e Romualdo Luiz Portela de Oliveira. Entrevista concedida a Luiz Fernandes Dourado. In: CNTE. Financiamento e gestão da educação básica: dossiê. Brasília: ESFORCE, 2009, v. 3, n. 4, 305 pp.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
BRASIL. Plano Nacional de Educação 2014-2024: Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014, 86 pp.