De “Janjão” a “João”: é sempre bom voltar a ler Machado de Assis

Fernanda de Quadros Carvalho Mendonça

Há poucos dias, encontrei-me reflexiva sobre o aniversário de 21 anos de meu João e sua maioridade. Então resolvi que precisava contar a ele o que a menina de 20 anos, à época, pensava a respeito dessa nova aventura que foi tornar-se sua mãe, aos 20 anos (quase 21). Desse modo, fiz dois exercícios de escrita, um antigo, em que escrevi uma carta de próprio punho, e um mais moderno, em que fiz um post no Instagram. Acredito que ele tenha lido apenas o mais moderno, já que lá foi necessário exercitar meu poder de síntese diante da limitação de caracteres, uma exigência do gênero, e jovens como ele não são afeitos às cartas escritas à mão.

O curioso é que, nesse exercício reflexivo, lembrei-me de um conto de Machado de Assis: Teoria do Medalhão. O texto em questão é um diálogo entre pai e filho, quando este acabara de entrar na maioridade – mesma situação que estou vivenciando e, talvez, por isto a lembrança.

Em Teoria do Medalhão, o pai trata sobre o futuro profissional de Janjão. No texto, o diálogo é aberto pelo pai, que elogia o filho e depois apresenta os caminhos para a construção de sua vida na maioridade. O pai de Janjão afirma que, dentre as possibilidades profissionais que se apresentam no momento, a melhor delas é a de se tornar um medalhão e passa a dar conselhos ao filho para que ele consiga o feito que seu pai não conseguiu: “Nenhum me parece mais útil e cabido que o de medalhão. Ser medalhão foi o sonho da minha mocidade; faltaram-me, porém, as instruções de um pai, e acabo como vês, sem outra consolação e relevo moral, além das esperanças que deposito em ti” (p. 2). 

A conversa familiar acontece após o último convidado deixar o jantar comemorativo da maioridade (21 anos) de Janjão, às onze horas da noite. Assim, o pai pede ao filho que abra as janelas, feche a porta e se sente para uma conversa “como dois amigos sérios” (p. 1). Logo após esse pedido, o pai começa a aconselhar o filho a se tornar um Medalhão. E o que seria isso? Seria um homem que, ao chegar à velhice, tivesse adquirido notoriedade e prestígio na sociedade do Rio de Janeiro do século XIX. Para tanto, o pai explica sobre a necessidade de que ele mudasse seus hábitos e costumes e passasse a viver sob uma máscara, viver de aparência, anulando os seus gostos pessoais e suas atitudes. Nesse diálogo, o pai ressalta a necessidade de o filho manter-se neutro, usar e abusar de palavras sem sentido, conhecer pouco, ter vocabulário limitado etc. Machado, nesse texto, faz um retrato da sociedade burguesa, medíocre e arrogante, do Rio de Janeiro do século XIX, que pregava o sucesso a qualquer preço. Trazendo os personagens para os dias atuais, Machado permite-nos pensar sobre a nossa sociedade, em que se valoriza o “viver de aparência”, artifício empregado com muita naturalidade, principalmente nas redes sociais, por aqueles que almejam o poder e fama a qualquer custo.

Preciso registrar, aqui, que o “Janjão” do Machado de Assis nada tem a ver com o meu João, e nem eu, como mãe, daria ao meu filho uma lista de conselhos inescrupulosos para que ele alcançasse sucesso profissional a custo de seu empobrecimento intelectual e humano, assim como o pai de “Janjao” fez: “[…] Uma vez na carreira, deve pôr todo o cuidado nas ideias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente” (p. 8). 

Dito isto, é relevante destacar a natureza contraditória dos conselhos do pai de Janjão, pois não buscam formar um homem ético e muito menos racional e criador, quando ele assevera: “[…] proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar reflexão, originalidade, etc.” (p. 17). Vemos que o objetivo é que ele escolha a insignificância numa sociedade em que o homem busca a realização social e econômica alcançando prestígio em uma elite que vive de aparências. Machado usa da ironia quando constrói essa inversão de valores nos conselhos que o pai dá ao filho. No conto em questão, observamos um resgate da figura do tutor no pai que aconselha o filho, em que o discurso paterno busca constituir a formação de Janjão, assim como era feito na Antiguidade Clássica, quando um jovem recebia ensinamentos de seu tutor, pai ou sábio.

Diferentemente do pai de Janjão, como mãe, projetei criar um ser humano capaz de sobreviver a esse mundo cheio de agruras, e parece que consegui, já que acompanho o meu João estudando para alcançar sua vaga na universidade, no curso que proporcionará a ele representar e lutar pelos direitos de muitos, com base nas leis vigentes do nosso país.

A verdade é que de “Janjão” a “João”: é sempre bom voltar a ler Machado de Assis. Por isso, enquanto janeiro de 2023 não chega, vamos ler e reler Machado, talvez lá encontremos pistas do que esperar de nossa sociedade brasileira.

Para saber mais
ASSIS, de Machado. Teoria do medalhão. IN: Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. II. Acesse aqui.


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