Cultura Física – distorções na sociedade atual
Referir-se ao tema Cultura Física, por vezes, remete a uma distância conceitual, infelizmente, existente não somente entre a população em geral, mas também entre os profissionais da educação. Negar o corpo (separando-o do intelecto) ou elevá-lo a simples objeto de estética são distorções presentes na sociedade e, infelizmente, também no sistema educativo. Assistimos a recusa de nossa totalidade integral. Essa negação se revela nas relações sociais, nos espaços urbanos e nas “necessidades” de consumo (direcionadas para radicalismos que nos levam a valorizar, ora fragmentos do intelecto, ora o corpo como objeto de consumo).
Movimentar-se, desde os primórdios da humanidade, é condição fundamental para a sobrevivência. Movimentar-se para produzir, para deslocar-se de um local a outro, para realizar o processo de transferência do conhecimento de um indivíduo para outro, entre tantas outras necessidades, são ações ancoradas no cérebro (este, componente de um todo indivisível de corpo, mente, “espírito”, “alma”, cognição, motricidade, psicomotricidade etc). Portanto, o que é e qual a importância da Cultura Física?
Culturalmente falando, esse termo tornou-se objeto estranho da compreensão por parte da sociedade. Principalmente com as transformações advindas das necessidades de troca e venda de produtos, procurou-se armazenar um excedente de produtos. Quanto mais se produz, maior a possibilidade de venda. Logo, o trabalho que antes servia para o fornecimento de suprimentos para a própria sobrevivência, em determinado momento, torna-se algo abstrato, já que o indivíduo não produziria mais para si, mas alugaria sua força de trabalho – em troca de uma espécie de “vale”, que é o dinheiro que permite o acesso aos bens que não se produz.
O fato é que a conta nem sempre fecha entre as necessidades criadas pela sociedade atual e o retorno financeiro adquirido pelo trabalho. O ser humano vê-se obrigado a trabalhar mais e mais, deixando de lado a formação a partir do conhecimento e relegando sua cultura corporal a segundo plano.
Nesse ínterim, refletindo sobre a necessidade de produção e consumo, não é de se estranhar que a indústria busque, no pouco tempo livre dos indivíduos, uma oportunidade de oferecer seus produtos. Utilizar-se desse tempo para desenvolver a personalidade, os aspectos psicomotores, o lúdico, entre tantas opções, acaba tornando-se um objetivo distante, mesmo que primordial quando consideramos as necessidades humanas.
A Cultura Física, vinculada a diversos processos – sociais, históricos, higiênicos, lúdicos, e, por que não citar, na filogênese e ontogênese do ser humano – é de importância incomensurável quando almejamos a formação dos indivíduos e, principalmente, dos que estão em idade escolar.
Como traduzem diversos autores que referem-se à área da cultura corporal, a concepção dualista de ser humano – diferenciando mente e corpo, cognitivo e motor – é um equívoco. A partir desse equívoco, políticas públicas são criadas, planejamentos educacionais são elaborados e, não menos grave, as relações sociais são mediadas por este tipo de fragmentação. Relacionar-se com o outro ocorrerá de maneira mediada por esses conceitos e necessidades criados a partir de interesses mercadológicos. Nos dois extremos, a supervalorização da estética ou a negação da corporeidade (e da Cultura Corporal) despontam.
Deveria haver um esforço para devolver ao ser humano integral a ligação indissociável entre mente e corpo, entre cognitivo e motor, entre intelecto e psicomotricidade, entre ideia e ação. Com isso, estaríamos contribuindo para o crescimento do cidadão integral.
Diferentemente do que a mídia provoca, o professor deverá buscar mediações positivas com a reflexão que direciona as práticas corporais.
A harmonia entre elementos que não se separam concorrerá para a apropriação das emoções, do desenvolvimento cognitivo e das relações sociais (lembrando que estas dimensões relacionam-se intrinsecamente, não havendo como separar a cognição das emoções, do afeto e da interpessoalidade).
Como já é habitual, separamos a educação intelectual para os mais abastados e endereçamos as atividades físicas/braçais aos que possuem menor poder aquisitivo. Deste modo, a revolução cultural que se espera ao entrarmos em contato com nossa natureza integral, torna-se algo ainda mais complexo. Esta educação integral que se deveria buscar, que perpassa a escola e que necessita atingir toda a sociedade, requer não somente mudanças conceituais, mas também na estrutura física dos ambientes urbanos e, principalmente, nas relações humanas.
As criações humanas que nos separam em relação ao que, de fato, somos, em uma investigação minuciosa, podem ser geradoras de violência, depressão e sentimento de incapacidade. Já que dificilmente o cidadão urbano voltará para o campo e tomará contato com a natureza (que é a fonte de existência humana), cabe aos educadores refletirem nas estratégias de conquista do espaço urbano a partir da Cultura Física que, assim como a natureza, é parte original da humanidade.
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