Criminalização da implantação do estudo da cultura afro-brasileira e indígena (Lei 11.645/08)

Tiago Tristão Artero

O estudo sobre a História e Cultura Afro-Brasileira deve ser colocado em prática, está na lei. Os motivos pelos quais ainda não foi efetivado devem ser explicitados em suas origens, para que sejam superados e a caminhada rumo a uma nova sociedade seja realizada. Querem criminalizar a LDB e a própria Constituição que garantem o estudo destes saberes.

Desde 2003, está em vigor a Lei 10.639 que versava sobre a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, tendo a inclusão da cultura indígena com a lei 11.645, em 2008.

Ocorre que já vivemos tempos em que, mesmo com dificuldades, a garantia prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (de 1996) sobre o estudo da cultura afro-brasileira e indígena estava avançando.

Mas estamos notando, nos últimos anos, retrocessos. Para os que concebem a vida humana como estando em constante evolução, os dias atuais são uma prova de que os avanços ocorridos podem retroceder, a depender das condições materiais e culturais às quais a sociedade está imersa.

Grupos conservadores têm empregado um grande esforço para que as conquistas sociais, decorrentes das reflexões sobre as práticas humanas, sejam deslegitimadas.

Contestar o modelo de educação que favorece a manutenção do status quo, hoje, tornou-se um desafio ainda maior, mesmo com a garantida constitucional da liberdade de cátedra. O desafio é profundo, apesar de existirem leis específicas para que a opressão das culturas não hegemônicas seja superada.

Para se ter uma dimensão do quanto a cultura legitimada pelos grupos que estão no poder exerce influência nas práticas escolares, não se vê as alunas e alunos, em círculo, cantando um ponto de Umbanda, em vez de enfileirados rezando um “Pai Nosso” ou entoando uma música gospel.

Também não se vê a priorização do entendimento das formas de organização das tribos indígenas e as relações que estabeleciam entre si, antes, durante e depois da invasão dos portugueses, bem como de sua cultura, manifestações artísticas, filosóficas, linguísticas e musicais, manutenção dos recursos naturais, dentre outros elementos.

O mesmo não ocorre relativamente aos povos africanos que para o Brasil vieram, via sequestro. Não conhecemos suas culturas originárias, nem mesmo os descendentes destes povos conhecem, nem ao menos como viviam nos quilombos e quais saberes desenvolveram.

Professores e professoras estão sendo ameaçados, denunciados e têm sofrido pressão de alunas e alunos, bem como de mães e pais, quando buscam sair do eixo de conhecimento euro-estadunidense. Num contexto infeliz, docentes cientes de seu papel e, também, do papel transformador da educação podem sofrer pressão, até mesmo, de seus pares e de suas chefias, por estarem cumprindo a lei.

Sabemos que as leis, a cultura e os saberes caminham conforme um jogo de força, portanto, devem ser, a todo momento, pauta de reflexão. Foi preciso a criação de leis específicas para que fossem desenvolvidos nos conteúdos escolares formais saberes advindo de e sobre os povos que sofreram, pela opressão, um processo de aculturação.

O estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena, mesmo obrigatório em todo o currículo escolar, se realmente efetivado, permitirá às brasileiras e brasileiros conhecerem suas origens e resgatarem novas formas de enxergar o mundo, novas formas de relacionar-se entre si e na coletividade da sociedade.

O que os grupos conservadores temem é perder a hegemonia que permite a exploração desenfreada do meio ambiente, o questionamento dos valores de uma única religião, a cristã (leia-se, cristã de manifestação branca), a superação das formas com as quais os recursos, as propriedades e os meios de produção são organizados. Para isso, tentam criminalizar a própria prática docente, as discussões na academia e atacar a diversidade e a luta por equidade.

A luta deve continuar por uma educação para uma nova sociedade, onde a diversidade seja garantida e os meios de organização econômica e social não sejam inquestionáveis.

A autocensura está tão grande que, se antes as pessoas já tinham receio de apontar as causas dos problemas sociais, atualmente, há uma legião de indivíduos que temem até mesmo falar dos problemas pelos quais passa o planeta e todos seus seres viventes. Estão tentando criminalizar a LDB e a própria Constituição.


Imagem de destaque: Reprodução/Carta de Belém

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