Alessandro Carvalho Bica
Como afirma Lopes e Galvão (2001: 95-96): “A escrita da história materializa o trabalho realizado, é parte da própria operação historiográfica e um dos momentos mais significativos da tarefa de interpretação”. Nos processos de escrita sobre história da educação, os documentos-fontes são como registros particulares e particularizados que compõem um caleidoscópio único, permeado pelos vários matizes escritos do passado, ancorados na tênue linha da história, talvez seja a digna tarefa do historiador, recuperar o perdido, reconstituir o esquecido, livrar dos cativeiros do tempo as memórias escritas e por que não dizer, produzir novas interpretações aos velhos sentidos da história e da história da educação.
Quando tudo começou…
O Nacionalismo presente na década de 1920 era fortemente civilista e militarista, pautado pela ordem, pela disciplinarização dos corpos e na adesão da democracia. Além disso, muitos nacionalistas creditavam à Educação um papel de regeneração social. Portanto, entende-se que estes discursos estiveram presentes em várias cidades do país, porém, nosso olhar, neste artigo, é compreender as implicações existentes no município de Bagé das ideias nacionalistas no que tange às ações educacionais.
No caminho da educação
A efervescência deste panorama nacional também teve seus reflexos no município de Bagé, ao realizarmos os primeiros passos, na leitura das fontes pesquisadas, percebemos a presença nos Relatórios Orçamentários da Intendência Municipal, da subvenção municipal de 1:200$000 (hum mil e duzentos contos de réis) para a Liga Nacionalista de Bagé, entre os anos de 1921 e 1922.
No ano de 1925, o Relatório Intendencial apresenta informações sobre o panorama da Instrução Pública Municipal, como também, sobre as futuras intenções da Municipalidade em relação às questões educacionais, descritas, pelo então, Intendente Municipal, Sr. Carlos Cavalcante Mangabeira. As narrativas dispostas no Relatório Intendencial, reafirmam a necessidade da construção de um espaço escolar que fosse destinado a Educação e ao Civismo, a praça de jogos infantis era intenção administrativa, política e pedagógica da administração municipal.
A Praça dos Desportos – Civismo e Educação
Ao analisarmos às análises destes documentos, procuramos compreender o que significa afirmar que este espaço escolar, tenha sido considerado o lugar único para a manutenção dos discursos cívicos e pedagógicos pensados pela municipalidade bageense. O Ato Municipal nº 342 de agosto de 1927, aprovou e instituiu o Regulamento da Praça de Desportos, deste documento, é notável a preocupação com a tipificação dos “programas de exercicios e jogos para distinctas edades e sexos” para grupos superiores a 10 alunos, referências que revelam que a configuração deste espaço escolar, houve preocupações referentes à fiscalização, à gestão e aos métodos pedagógicos da instrução pública primária.
O cuidado e zelo administrativo empregado pela municipalidade em processar e manter uma rotina de controle administrativo na Praça de Desportos, determinou que houvesse a presença efetiva do diretor, de professores e de monitores uniformizados durante todo o expediente da praça ao público. Além disso, é possível destacar que média da jornada de trabalho era de 8 horas/diárias, tanto no inverno como no verão; o Livro-Ponto como forma constante do controle do trabalho e a divisão semanal das folgas do corpo administrativo da praça, sem prejuízos ao funcionamento da mesma.
Salienta-se que no mesmo Regulamento, havia somente um Diretor, um ajudante, uma professora e três ajudantes no corpo administrativo da praça. Esta constatação pode ser verificada na imagem de ilustração deste texto, onde percebemos a presença dos ajudantes (1, 2 e 3), da professora (4) e do diretor (6), respectivamente, da esquerda para a direita, e ao fundo, o outro funcionário (5) segurando a Bandeirola da Praça dos Desportos:
Além disso, a fotografia retrata e evidencia a tipificação das atividades físicas destinadas às alunas do sexo feminino, este ponto é importante para nossas análises sobre às questões de fiscalização da gestão da Praça, no que tange às relações de gênero, às condutas éticas e aos uniformes. Os ordenamentos morais foram pensados na constituição do Regulamento da Praça de Desportos, e assim a Intendência Municipal determinou os conceitos de higiene, de moral, de ética, de condutas pessoais e de civilidade, traduzindo com toda força os preceitos sociais presentes na década de 1920, como tenta afirmar o último parágrafo do Relatório Interno: “A Praça de Desportos é um logar de recreação sadia e expansão do povo. O fim que se procura é o desenvolvimento physico, moral e intelectual de ambos os sexos.”
Afirmamos que a construção da Praça de Desportos não foi suficiente para evidenciar toda a preocupação municipal com a Instrução Municipal, mas o conjunto de ações desencadeadas após a década de 1920 possibilitou a instalação de um fazer pedagógico singular e particular no município de Bagé, transformando a Praça como espaço dedicado à Educação e ao Civismo. Neste lócus singular, seriam realizadas todas as festas escolares, patrióticas e cívicas da cidade. Além disso, a Praça passaria a ser lembrada por todos os habitantes do município de Bagé como um espaço destinado para estes fins.
A constituição da Praça de Desportos em 1927 no município de Bagé foi a proposta da conjugação dos discursos cívicos e as intenções pedagógicas da construção de um espaço destinado à Educação e ao Civismo, na segunda década do século XX. As análises realizadas sobre as fontes documentais presentes neste texto possibilitam constituir um arcabouço empírico propício na compreensão de um espaço e de um tempo da História e da História da Educação no Rio Grande do Sul. Ademais, é importante salientar que estas mudanças provocaram o conjugamento de discursos pedagógicos, administrativos, políticos e culturais próprios da municipalidade na segunda década da Primeira República no município de Bagé.
* Os documentos pesquisados para a escrita deste trabalho compõem uma série de registros já catalogados pelo pesquisador, esta classificação começa com o ano de 1900 até final da Primeira República, estes documentos foram editados anualmente pela Municipalidade, e tinham como objetivo “deixar as claras” os gastos originados pela Intendência Municipal, segundo muitos autores (Tambara, 1992; Corsetti, 1994 e Giolo, 1997), esta prática tornou-se muito comum entre os positivistas do Partido Republicano Riograndense (PRR) no Rio Grande do Sul.
Para saber mais:
CRUZ, Milton da. Catecismo Cívico. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1927.
LOPES, Eliane Marta Teixeira e GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. (Coleção: O que você precisa saber sobre…).
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. (Coleção História &… Reflexões).
PEZAT, Paulo. Leituras e interpretações de Auguste Comte. In: REKZIEGEL, Ana Luiza Setti & AXT, Gunter (org.) História Geral do Rio Grande do Sul (1889-1930). 1ª Ed. Passo Fundo: Méritos, 2007, v.3.
RODRIGUES, Marly. O Brasil na década de 1920: os anos que mudaram tudo. São Paulo: Editora Ática, 1997. (Série Princípios).
Imagem: Praça dos Desportos. Acervo Icnográfico – Museu Dom Diogo de Souza – Bagé/RS.