“CIÊNCIA” X CIÊNCIA

Cesar Tólmi

Um genuíno conhecimento é em si mesmo, e não pela comprovação, que vem, obviamente, depois, totalmente dependente de tal conhecimento. Primeiro o conhecimento científico, que é em si mesmo, depois a comprovação científica sobre o conhecimento científico. Eis o que os doutos ignorantes não entendem… Convém falarmos um pouco sobre Popper, para introduzirmos bem o tema. Karl Popper é considerado um dos maiores filósofos da ciência, do século XX, sendo conhecido por sua rejeição aos conceitos clássicos sobre o método científico.

Para Popper, uma teoria nas ciências empíricas nunca pode ser provada, e por isso vemos, constantemente, “provas científicas” caindo por terra. Sendo assim, ele propõe que um autêntico conhecimento científico é aquele que mantém, espontaneamente, abertas as portas para que seja “falseado”, isto é, superado. Nessa visão, um conhecimento científico não pode ser “engessado”, mas se mantém “moldável” e em constante “movimento”, possibilitando que novos passos sejam dados, ainda que, para tal, algumas de suas “verdades” tenham que ser tornadas “falsas”. Eis o que deve ser entendido como “verdades científicas”, em relação à “realidade de um fato”. Popper também é conhecido por sua oposição à explicação justificacionista clássica, do conhecimento, e ele propõe que, em seu lugar, seja posto o contínuo racionalismo crítico. E se falarmos de “Ciência do Humano”, ou seja, sobre o fenômeno humano?

Uma “Ciência do Humano” não pode ser exata, pois a exatidão de uma Ciência pressupõe a exatidão do objeto que ela estuda, e o humano é um “fenômeno em permanente mudança”. Convém-nos, para desenvolvimento da Ciência do Humano, recuperar o conceito de Ciência como em Aristóteles, isto é, como um saber rigoroso, visto que a Ciência Positivista (Moderna) tem o vírus do “viés” contaminando-a, porque a Ciência Moderna é precedida pela utilidade, ou seja, é feita “para atender a uma demanda de mercado”.

Na “Ciência Aristotélica”, por sua vez, o que se busca não é a utilidade de uma descoberta, e sim, descobrir simplesmente, entender simplesmente; a utilidade vem depois, não é a prioridade. Claro que pode haver o saber rigoroso na busca de uma descoberta pautada no desejo de utilidade e pode, também, haver o maravilhar-se em tal processo. Contudo, no saber genuinamente rigoroso, que se faz simplesmente pelo saber e pelo próprio rigor nesse saber, elimina-se quase que completamente – senão completamente (e aqui estou tendo uma característica desse rigor, estou sendo imparcial) – o problema do viés. A Ciência conforme Aristóteles é a do maravilhar-se frente ao fenômeno e na relação com este, sem a preocupação com a possível utilidade do fenômeno. O positivismo, que ainda e, cada vez mais, predomina em nossos dias, visa a exatidão. Mas, se estou caminhando com meu cachorro e o puxo pela corrente, desviando-o de uma árvore enquanto também desvio-me dele, posso dizer que desviamo-nos de uma árvore? A árvore, na realidade do cão, é mesmo árvore? O cão identifica como “árvore” aquilo que, como árvore, identifico? Qual exatidão é possível ter sobre aquilo do que desviamo-nos? Mas ainda: qual exatidão se pode ter sobre se um mesmo fenômeno, vivenciado por diferentes pessoas e seres, são percebidos da mesma forma? Toda realidade -se entendida- em alguma medida é um significado, um entendimento sobre tal realidade e nunca a realidade propriamente. Toda realidade percebida é interpretada em algum nível, é -seja por assim dizer- “realidade vestida por subjetividades”. As Ciências chamadas “exatas” são inexatas, embora sejam exatas no que dizem respeito ao que a elas interessa; a utilidade é a prioridade. Na Ciência de Rigor -que pode ser chamada também de Ciência Filosófica- a finalidade é entender, pela análise, sob o estímulo do maravilhamento- o fenômeno, que não é apenas o objeto, a “coisa em si”, mas a própria relação sujeito/objeto, visto que, “consciência não é consciência de algo, e sim, ciência de algo com o algo mesmo”, isto é, “consciência é ciência que se forma na relação de observador e observado e por causa dessa relação”. A Psicologia, a Psiquiatria e a Psicanálise erram ao achar que a consciência é coisa interna, algo – seja por assim dizer – “psicológico”. Não existe distinção de “psicológico” e “físico” -se não apenas didaticamente- porque tudo é fenomênico, e todo fenômeno é relacional, ou seja, se faz na relação de sujeito/objeto. Toda consciência é fenomenológica. Concluo dizendo que, a proposta de Popper, é uma uma necessária e mesmo urgente adaptação à postura de Aristóteles.

Sobre o autor
César é Psicanalista, filósofo, jornalista, artista plástico autodidata, escritor e idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, com integração dos campos clínico, forense, jurídico e social.


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