Paulo Hallack
— Professor José… pode entrar.
— Diretora Fernanda, mandou me chamar?
— Mandei, é o seguinte… infelizmente, a pedido do conselho geral da rede, não tenho boas notícias… José, você está sendo demitido…
— Beleza.
— Beleza, José? Beleza? Só isso?
— Uai!? Já fui demitido mesmo, o que mais posso dizer?
— E sua família, José? Sua esposa? Suas meninas? Beleza? José?
— Elas me entendem…
— Eu sei disso, Zé! Mas… beleza é demais! Ou melhor, é de menos!
— Tá bom, Fernanda! Tá bom… qual foi a gota d’água dessa vez?
— PelamordeDeus, Zé! Gota d’água? Você quer dizer, tromba d’água… pensei comigo: Poxa! Conheço o Zé há tanto tempo… Tá certo, foi demitido das últimas três escolas, mas só por não se enquadrar no ensino padrão. Bom, não é de seguir regras, mas é um excelente professor, apaixonado pela profissão…E, já que assumi a direção dessa escola, vou dar uma chance para ele… e você apronta? De novo? José?
— Eu não apronto nada, Fernanda! Olha só, na primeira fui demitido por excesso de barulho das minhas turmas…
— São as regras, Zé…
— Aí, na outra escola, resolvi levar o barulho para longe das salas e fui demitido porque passava mais tempo com as turmas no pátio do que dentro das salas…
— Regras, Zé… regras…
— E na última, um grupo de pais me chamou de comunista… só porque…
— E essa história virou uma espécie de lenda urbana no nosso meio! O professor que pediu uma reunião de pais para explicar que não era comunista e que, simplesmente, estava explicando os moldes do sistema social vigente, justamente para que as crianças não confundissem os conceitos…
— E eu estava errado?
— Então, o tal professor resolveu repetir a aula para os pais, para que, nas palavras dele: Eles também não se confundissem…
— E qual o problema? Já que dava aula para os filhos, não custava nada dar uma aulinha para os pais!
— Mas, pedir para eles mandarem, através dos filhos, uma lauda, de próprio punho, sobre o que foi discutido, para que ele avaliasse se os pais haviam compreendido foi demais!!!!!
— É… nessa eu exagerei…
— Zé… Zé… existem regras, Zé! Regras escritas e regras implícitas!
— Concordo, Fernanda! Mas querer uma turma absolutamente silenciosa e estática é contra as regras da infância e, simplesmente, explicar o sistema social e econômico em que estamos inseridos é, justamente, mostrar para as crianças as regras do jogo…
— E, não usar as apostilas didáticas padronizadas pela rede é o que? Hein, José?
— É uma libertação! Para o professor, para alunos e alunas!!!!
— Isso, José! Agora você está livre! Demitidamente livre!
— E eu já provei que meus alunos e alunas são capazes de resolver todos aqueles exercícios das apostilas… Além disso, todos os meus alunos e alunos das outras escolas se saíram excelentemente bem em todas as avaliações externas que participaram…
— Eu sei, Zé! Eu sei! Por isso assumi o risco de te trazer para cá! Você sabe que não queria te demitir! Mas a cobrança sobre a direção é pesada… Os pais pagam pelas apostilas…
— Eu entendo… Tá beleza!
— Esse seu beleza tá me irritando… José, por que não vai para a rede pública? Lá você tem mais autonomia e estabilidade…
— Não vou, Fernanda! Já até conversamos sobre isso… que as crianças da rede privada saibam que existem outras formas de pensar que não seja a padrão!
— Até você ser demitido da última escola do planeta?
— Aaaah, se eu fosse marinheiro…
— Um amor em cada porto, José?
— Uma sala de aula em cada porto!
— E agora, vai fazer o quê da vida, professor José?
— Ainda não sei… Terminar meu livro ou vender minha casa, comprar uma van… sair pelo país com a família, mostrar o Brasil profundo para as meninas, quem sabe um professor andante, em busca do graal libertador da educação das jovens mentes ansiosas…
— Menos, José, menos…
— Ou vou atualizar meu currículo e distribuir nas escolas…
— Ah, bom! Melhor!
— Mas, agora, vou é passar na padaria, tomar um café e levar pão pra casa…e já que estou com tempo, vou pegar as meninas e dar uma volta na praça com elas.
— Zé, antes de ir não esquece de passar no departamento de pessoal…
— Tá bom… um beijo, Fê.
— Um beijo? Professor José!?
— Uai, amor, não fui demitido?
— Um beijo, amor… fala pras meninas que vou tentar chegar mais cedo… ah! Zé!
— Oi?
— Compra leite, tá!? Acabou…
— Beleza!
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