Brasil entre bíblias e armas

Raquel Melilo
Renata Fernandes 

No livro Como funciona o Fascismo, publicado em 2005 e de autoria de Jason Stanley, temos uma análise dos líderes da atualidade, democraticamente eleitos, mas que possuem retórica fascista. Nele, no capítulo 3, aborda-se uma característica marcante dessa retórica: o Anti-intelectualismo. “A política fascista procura minar o discurso público atacando e desvalorizando a educação, a especialização e a linguagem” (STANLEY, 2018, p. 48). Isso não quer dizer que não exista um papel para as escolas, universidades e a cultura na política fascista, porém elas devem apresentar apenas os pontos de vista considerados legítimos pelo líder: a proteção da família tradicional, o orgulho do passado mítico e religioso e a tradição.

Mussolini, no lançamento do projeto educacional fascista “Armas e Livros”, objetivou criar grupos reservados para crianças dentro da Vanguarda Juvenil Fascista. Um dos slogans da campanha era “O livro e o mosquete fascistas perfeitos” que mostrava que os estudantes, no caso os meninos, além dos estudos nos livros também deveriam se dedicar às atividades militares.

A partir dessa primeira reflexão, trazemos aqui um paralelo com a política educacional adotada nos últimos anos no Brasil. Em julho de 2021, o então Ministro da Educação Milton Ribeiro participou de um evento no qual, entre outras coisas, teve a distribuição de bíblias. Segundo os presentes, o livro sagrado deveria ser distribuído em um evento religioso, porém foi entregue em um evento do Estado brasileiro (que é sempre bom lembrar: é laico).

Além do ministro, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura também estavam presentes. E, o mais curioso, para não dizer lamentável e desesperador, é que esses pastores são acusados de serem lobistas no Ministério da Educação. O prefeito de Sabinópolis, Kaká Sena (PL), fotografado com a Bíblia, custeou a impressão de mil delas no valor de R$ 70,00 cada e feita em uma gráfica em Goiânia que pertence à Igreja Ministério Cristo para Todos. O pastor que comanda essa igreja e, que não possui cargo na administração pública, estava no evento sentado ao lado do ministro, bem como do presidente Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Marcelo Ponte.

Logo após esse evento, Milton Ribeiro aprovou a construção, no valor de R$ 5,8 milhões, de uma escola na mesma cidade. O prefeito Kaka (PL) agradeceu ao pastor Gilmar Santos pelo evento: “Este momento é um momento ímpar, para que a gente possa aproveitar e sugar o máximo o MEC, o FNDE”. Vários jornais têm publicado diversas reportagens que mostram indícios de corrupção no MEC envolvendo pastores. Tais como pedidos de propinas na compra de livros e na construção de escolas e creches. Essas propinas seriam destinadas, segundo as acusações, à construção de igrejas.

Enquanto estamos distraídos nas redes sociais acusando as escolas, as universidades e os professores de serem demasiadamente politizados, o dinheiro público aparentemente está sendo desviado para a construção de igrejas e para o enriquecimento e enaltecimento de pastores.

Agora trazemos aqui outro exemplo da política cultural dos últimos anos: a Secretaria de Cultura tem incentivado, por meio da Lei Rouanet (tão criticada pelo bolsonarismo), projetos que fomentam e patrocinam a compra de armas. Já foi aprovada a edição de um livro, financiado pela indústria de armas Taurus, que propõe contar a história das armas no Brasil que se chama Armas & Defesa: A História das Armas no Brasil, de responsabilidade da Alexa Editora. O total captado pelo projeto até agora é de R$ 336 mil reais e terá uma tiragem de 3.000 livros sendo, inclusive, entregues em bibliotecas públicas. Em um evento o secretário de Cultura prometeu a possibilidade de destinar cerca de 1 bilhão de reais da Lei Rouanet para “projetos culturais de armas”.

A cultura e a educação fascista, como vista em Mussolini, buscam mudar o senso comum, alterando os significados de palavras e conceitos chaves que utilizamos para compreender o mundo, tal como o de liberdade, educação e cultura. Como nos diz George Orwell no livro 1984: “De onde estava Winston conseguia ler, em letras elegantes colocadas na fachada, os três lemas do Partido: Guerra é paz, Liberdade é escravidão e Ignorância é força”. Por isso, uma educação plural, democrática e livre representa uma ameaça. Vivemos, desde 2018, uma encruzilhada, pois estamos entre Bíblias e Armas.


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