Barricadas

Carlos Henrique Tretel

 

“…A quem está aqui hoje a debater 4 anos de PNE, eu peço ajuda. Vocês da sociedade organizada pautem comigo o debate  de que não é admissível  mais nenhum centavo de renúncia fiscal de crédito subsidiado para o ensino superior privado enquanto a União não regulamentar o CAQ. Existe sim uma escolha preferencial pelo ensino superior privado… (…) Como é que a gente vai fazer o enfrentamento da omissão da União…? (…) Eu falava no Congresso da Fineduca do ano passado que a gente precisa pensar como os vietnamitas fizeram em relação à guerra do Vietnã, o grande poderio militar dos EUA não conseguiu resistir à multiplicação de barricadas , não adianta a gente pautar a nossa agenda apenas na “revogação” da Emenda 95, a gente tem que criar campos de luta, campos de resistência, fazendo o debate dialético, para cada tese uma antítese, para cada argumento um contraditório em sentido inverso, extremando essa perspectiva de que não tem dinheiro. Quem disse que a Constituição não cabe no orçamento? Se o orçamento só é legítimo à luz da Constituição? (…) O Estado existe sobretudo para a máxima eficácia dos direitos sociais. (…) O Sistema Nacional de Educação não foi regulamentado, a União não regulamentou o CAQ, a União se ausenta de fazer a sua parte no financiamento da educação básica, vamos continuar choramingando? (…) Eu sugiro pensar o direito de regresso: cada estado, cada município, poderia invocar, a partir do marco temporal do próprio PNE que não foi cumprido. Então, o PNE de 2014 deu 2 anos para regulamentar, não regulamentou, há exigibilidade a partir daí invocando a noção subsidiária, e, portanto, de caráter obrigatório, do parecer nº 08 de 2010. Na falta de regulamentação há que se adotar o parecer nº 08 ainda que não homologado. Porque há uma inconstitucionalidade por omissão na regulamentação do CAQ. Eu não quero mais falar que não está regulamentado. Eu quero dizer “adote-se o parâmetro que hoje já existe enquanto não regulamenta” porque aí você cria uma pressão suficiente para obrigar a União a regulamentar. O Ministério da Fazenda vai fazer um terrorismo imenso dizendo que não tem como tirar dinheiro para financiar a educação básica. E aí a gente atrela a questão do FIES: nenhum centavo a mais de renúncia fiscal ao ensino privado enquanto não regulamentar o CAQ. (…) Eu oficiei recentemente, no início do ano letivo de 2018, dizendo “senhor prefeito… doravante não aceito mais pagar transporte de universitário, ainda que excedente aos 25%, se tiver criança fora da creche. Doravante não aceito mais gasto com publicidade, com show…” (…) Eu não estou aceitando passar nenhuma escolha orçamentária que diminua o financiamento da educação. Eu não aceito que me digam que pode fazer um show da Claudia Leite lá em Caraguatatuba, sendo que tem 1.200 crianças fora das creches. Ou São Caetano do Sul … que está dando FIES municipal mas também tem uma série de crianças fora das creches. (…) Qual é a forma de fazer essa investigação do caminho do dinheiro? Os insumos do CAQ. Não tem como aceitar o gasto estéril, o gasto protocolar, o gasto formalmente lícito mas materialmente inepto para entregar o atingimento das metas(do PNE). Então é um pouquinho de exigir mais motivação, é um pouquinho de pegar mais no pé, de os conselhos e a comunidade escolar participar da investigação de tudo isso, até porque ninguém melhor fiscaliza … a gente tem que multiplicar quem fiscaliza… Não haverá apenas um órgão superpoderoso, seja o Judiciário ou o Ministério Público, quem quer que seja, que substitua o cidadão. A gente precisa multiplicar instâncias de controle. A gente precisa se somar. Este é um pedido sincero de reforço recíproco. Quanto mais vocês lutarem conosco, mais todos cresceremos juntos.”

Dra. Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Semana de Ação Mundial 2018.

Pois é, caro leitor, hoje peço-lhe licença para, excepcionalmente, ceder quase que todo o espaçodesta nossa coluna para a exposição (em forma de resumo que me atrevi a apresentar acima) do pensamento da Doutora Élida Graziane Pinto, dado a conhecer em sua inteireza durante evento nacional da Semana de Ação Mundial, o seminário “O CAQie o CAQ no PNE e no FUNDEB: quanto custa a educação pública de qualidade no Brasil”.

Até porque o seu pensamento é muito claro, muito bem construído, quanto menos manipulá-lo para apresentá-lo a você, leitor, melhor. Sugiro, assim, que acompanhe na íntegra a palestra da procuradora, que suas palavras per si, somadas por certo às ações que vem ela desenvolvendo na defesa intransigente dos direitos das crianças e dos adolescentes, bastarão para que muitas novas barricadas surjam por este Brasil afora. Com a sua, a minha, a nossa participação. Por que não?

https://www.facebook.com/campanhanacionaldireitoeducacao/videos/1938356216174448/

Porque não dá mais para apenas lamentarmos o escanteamento do Plano Nacional de Educação. O documento-final da Conae 2010dava a conhecer (fls. 104/105) antes, pois, do início do primeiro mandato de Dilma Rousseff,  que  “Como alternativa ao atual desequilíbrio regional e à oferta de educação básica pública, o financiamento à educação deve tomar como referência, e em caráter de urgência, o mecanismo de custo aluno/a-qualidade (CAQ).”.

Em caráter de urgência? Desde 2010?

CAQ há?

A Dra. Élida está certa. Há que se fazer barricadas. Em caráter de urgência.


Imagem de destaque: @wegenerb

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